Sexagenária, eu?

 

Hoje, vinte e seis de janeiro de dois mil e doze, quinta-feira! Acordo cedo, mas uma preguiça gostosa faz-me demorar um pouco mais que de costume entre os lençois, ainda frios de uma noite bem dormida! Preciso levantar bem, pois tenho uma consulta médica para avaliação pré-cirúrgica. Perplexa, ponho-me a pensar: “serei ainda aquela menina sapeca, curiosa, e ao mesmo tempo tímida e desconfiada, que saiu da fazenda do avô para uma escola na cidade mais próxima?” Acho que sim...

Um pouco tarde, entrei para a escola regular, pois fui alfabetizada na fazenda, como era o costume da época! O interessante é que, logo me apaixonei pelos livros proibidos, que eu os roubava para as leituras furtivas. Verdadeiramente, talvez por isso, me tornaria professora e, em 1983, enfrentaria, assustada, a primeira turma de adolescentes, igualmente assustados com a inexperiente professora!

Hoje, mãe de quatro filhos já criados e avó de um neto ainda pequeno, desfruto dos tantos privilégios que me foram dados por Deus ao construir minha história e ter participado de uma época de tantas coisas boas: na música, ouvi Elvis Presley, The Beatles, Rolling Stones – para falar dos internacionais; dos nossos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Jerry Adriane, Roberto Carlos “das jovens tardes de domingo na Record...” Na política, acompanhei as notícias sobre os anos da ditadura militar e suas investidas contra a liberdade humana. De posturas ideológicas este regime causou doloridas lágrimas de mães e esposas que perderam os seus amados naqueles anos amargos. Todavia, tive o prazer de assistir às passeatas pelas “diretas já” e de assistir pela TV, ao impeachment do presidente Collor...

Mudanças que apontavam para um novo tempo... no País, novas decepções, mas muita esperança. Nos anos sessenta, a invenção da pílula e a liberação sexual mudavam os paradigmas da liberdade feminina, logo acompanhada pelo pesadelo da AIDS, que levou tantos (as) jovens, deixando outros tantos reféns dela. No futebol brasileiro (apesar de não torcer por time algum), testemunhei a conquista de títulos mundiais e dancei na praça pública da minha pequena cidade Missão Velha, ao som dos “Noventa milhões em ação pra frente Brasil, salve a seleção!”

Nascida nos anos em que a TV chegou ao Brasil, só conseguia assisti-la na casa de um vizinho – o programa que exibia a chegada do homem à lua - lembro bem. Pela TV, acompanhei, entre gritos eufóricos, a derrubada do muro de Berlim e algumas guerras modernas e covardes, que mataram crianças e velhos.

Como muitos dos meus coetanos, colegas professores, passei por algumas reformas ortográficas... Também, como muitos, precisei aprender a lidar com a linguagem do computador e da internet, hoje, companheiros indispensáveis na construção dos meus textos. Agora, pergunto-me, ao fazer esta espécie de balanço do tempo percorrido... Valeu a pena, Camila?

Bom, acho que valeu! Infância, eu tive, e muito boa, gozada com liberdade, por entre os engenhos de cana de açúcar e a casa de farinha, lá no Barreiro... Adolescência? Quase não curti. Passei por ela, bem como pelos meus vinte anos, estudando e trabalhando muito para garantir dias melhores para mim e para os meus irmãos. Nesse período, o casamento e, como toda noiva do meu tempo, na igreja, de véu e grinalda, vestida de branco e “pra sempre”? Felizmente, até hoje estou com a mesma pessoa e lá se vão quarenta anos!

Nos meus trinta anos, eu criava os filhos, curtia algumas viagens com a família, ao mesmo tempo em que batalhava por trabalho na minha profissão, entre um concurso e outro. Os quarenta passaram sem que eu os notasse, pois o magistério de ensino médio consumia-me, por entre uma escola e outra. Aos cinquenta, tentando um concurso para entrar no magistério superior da Universidade Estadual do Maranhão, e por conta dele, eu voltava a estudar, e fui aprovada em segundo lugar, para trabalhar com as literaturas – o meu grande sonho!

No ano dois mil, nos veio a proposta de fazer o mestrado e por causa dele conheci a Cidade Maravilhosa, para onde retornei, nos anos de dois mil e onze a doze, exatamente nos meus sessenta anos... No Rio de janeiro tive a felicidade de morar, na Rua Visconde de Pirajá com três maravilhosas colegas: Iranilde, Solange e Vanda. Ainda que por pouco tempo, valeu a experiência de cursar um doutoramento na UFRJ, para onde eu seguia para assistir às aulas, de metrô ou de ônibus, sozinha ou com as colegas.

Aquela experiência não estava nos sonhos da menina cearense – eu pensava! O interessante é que, antes, quando os sessenta ainda me estavam distantes, achava que, nessa idade, estaria velha. Hoje, no entanto, pergunto-me: onde está a velhinha que imaginava vir a ser, na minha concepção adolescente? Por outro lado, não vejo, no espelho, o viço da pele morena da jovem com quem convivi durante esses anos de sonhos, de projetos e de perdas (dentre elas a dos meus amados pais). É o tempo divino!

Claro, tenho marcas do tempo vivido, não somente nas rugas e nos quilos ganhos, mas também nas cicatrizes – todas elas testemunham experiências e aprendizados. A memória ainda está boa, graças divinas! Nesse quesito, parece que puxei ao meu pai, que morreu lúcido nos seus noventa e cinco anos. Oxalá! Deus me conceda mais esta dádiva, porque preciso muito. É a minha prece.

Das vantagens de ter sessenta anos (como pagar meia, ter vaga separada, atendimento prioritário), ainda não usufruí. Talvez um dia, quem sabe! Por hoje, vou contando o saldo positivo, com alguns questionamentos, mas uma certeza: tenho o presente e procuro vivê-lo intensamente, ao lado dos que amo e, acima de tudo, fazendo o Bem. O futuro a mim não pertence, mas àquele que, há sessenta anos, concedeu-me o dom da vida. Ele é o Senhor da minha vida; portanto... O que sei agora? Que ainda me sinto “sexy”, que gosto de sexo, apesar de sexagenária! É isso.

Camila Nascimento.

São Luis, 26/01/2012.

Camilamsn
Enviado por Camilamsn em 15/11/2022
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