ENCONTRO ESPIRITUAL

Quem nunca acordou no meio da noite e ficou olhando para o teto? Ou mesmo sequer conseguiu dormir e entrou madrugada a dentro sem pregar os olhos? Pois é, a chamada insônia me persegue desde muito criança, acredito que por volta dos 10 anos ou menos, sofro com a ausência do sono. Mas, hoje, aos 52 anos, a falta dele é esporádica, pois percebi que ao avançarmos na idade, muitas patologias e comportamentos vão se modificando, alguns melhoram (ainda bem) e outros pioram (infelizmente).

Não sei ao certo se é genético, mas lembro que quando eu era criança, meu pai também tinha problema de insônia e ficávamos horas assistindo televisão. Eita que saudade dele! Do seu cheiro! Da sua companhia! Naquela época não existiam canais fechados, esses por assinatura, tampouco existiam os streamings (Netflix, Amazon Prime Vídeo, GloboPlay, etc), contentávamos com apenas quatro canais abertos (Globo, SBT, Manchete e Bandeirantes) - salvo a memória não me traia. Muitas vezes esses canais não havia programação vinte e quatro horas, quando muito, iam até meia noite - de modo que entrava a logomarca do canal - anunciando manutenção em seus transmissores. Nessa hora meu pai pedia para que eu fosse dormir, porém, como portador do mesmo mal, sabia que era muito difícil para quem perde o sono, voltar a dormir. Foi aí que adquiri até hoje o hábito de escutar rádio. Ele ligava o rádio, e ouvíamos a programação musical e de notícias até a vinda de Morfeu.

Essa introdução sobre a insônia é para enfatizar e contextualizar a minha relação com ela. O que quero mesmo é relatar um fato ocorrido comigo em mais um fatídico dia da perda do sono. No dia 14 de novembro de 2022, véspera do feriado da Proclamação da República, fui para a rede que fica permanentemente armada no meu quarto, onde diuturnamente embala minhas leituras; divagações nas redes sociais; canais preferidos na televisão; enfim, sempre amei rede, talvez seja minha ancestralidade do meu cariri paraibano. Voltemos ao ocorrido. Fazia tempo que não me ocorria falta de sono. Já era madrugada do dia 15, por volta de 1h40m, quando consigo tirar um pequeno cochilo.

Perdi meu sogro, uma espécie de segundo pai, em abril de 2020, sempre senti sua falta. Ele sempre foi muito especial para mim. O conheci quando comecei a namorar minha esposa. Eu com dezessete anos, ela com dezesseis. Ele quem me ensinou a conviver harmoniosamente com um tricolor apaixonado pelo seu time, pois, ele era Fluminense, eu sempre fui Flamengo. Torcíamos fervorosamente pelos nossos clubes, todavia, em dias de Fla x Flu, ficávamos constrangidos em comemorações que extrapolassem a razoabilidade, apenas por respeito. Tratava-me como um filho. E eu sempre o tratei como um pai. Não um pai qualquer, mas um pai bom, amado e admirado. Sempre tive respeito e admiração por ele.

Voltemos à insônia! Uma e quarenta da madrugada, consigo tirar um pequeno cochilo - talvez não tenha durado nem cinco minutos – foi nesse momento que sonhei com meu sogro, foi tão real, mas tão real, que até agora não sei se foi sonho ou um encontro espiritual. O fato é que ao passar na mesa da sala de jantar, ele estava olhando para mim e sorrindo. Sua feição era de paz e tranquilidade. O sorriso não era tão largo, todavia não era tão tímido. Ao me aproximar, verifiquei que ele estava em um plano mais alto do que eu, embora fosse de estatura um pouco mais baixa. Eu tenho 1m77cm, ele talvez teria 1m69cm. Olhava-me de cima para baixo. Ao chegar próximo dele, abracei-lhe a cintura, como um filho que não vê seu pai há anos, e ao duvidar se estava realmente sonhando, pois sabia que ele havia partido, ao alisar seu antebraço, verifiquei os pelos como se estivesse vivo, ainda conosco. Não falou-me nada, apenas sorriu com um sorriso de paz e tranquilidade, talvez para me dizer que, apesar do sofrimento dos últimos anos, referente ao Acidente Vascular Cerebral, Mal de Parkinson, e todas as outras comorbidades que lhe deixaram vegetando em cima de uma cama, agora, estava sem dor e sem sofrimento.

Acordei do pequeno cochilo chorando e desesperado! Não por medo. Não por achar que estivesse sofrendo. Mas pelo fato desse encontro ter sido tão breve. Contei a minha esposa que me perguntou o que ele havia falado. Ansiosa por uma resposta. Ficou tão surpresa com o episódio. Talvez até mais do que este sonhador aqui. Ela sente diariamente a falta do pai, pois, como a filha mais velha, sempre foi muito apegada a ele. Quase toda noite ela me confidencia a falta dele. Muitas vezes a pego chorando baixinho para não atrapalhar ninguém. Sempre ela gostou mais de servir do que ser servida. Sempre foi uma filha maravilhosa, mas sempre acha que devia ter feito mais por ele. Ledo engano. Fez por ele o que toda boa filha faria pelo seu bom pai.

Assim, rezamos uma Ave Maria e um Pai Nosso, e fomos tentar dormir. Quem disse que conseguimos? Vimos o dia amanhecer, mas felizes por esse encontro espiritual ter sido tão especial da forma que foi. Sem diálogos. Só sorrisos, paz, harmonia, espiritualidade e, sobretudo, amor.

15 de novembro de 2022.

Por Vandilo de Farias Brito Sobrinho

Vandilo Brito
Enviado por Vandilo Brito em 15/11/2022
Código do texto: T7650319
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