Das dificuldades para atividades culturais

 

DAS DIFICULDADES PARA ATIVIDADES CULTURAIS

Miguel Carqueija

 

Muito tempo atrás eu havia começado a ministrar palestras, e mesmo tendo sido a maioria gratuitas, percebi os obstáculos para essa atividade cultural.

Lembro de como me aproximei de uma entidade (não direi qual) onde existia espaço para tal atividade. Eu falava em geral sobre assuntos culturais relativos a livros, filmes, ficção científica. Não palestrava sobre política; não é assunto agradável. Em suma, fiz a minha proposta. O porta-voz da instituição pareceu interessado, mas veio com a seguinte pergunta: — E quantas pessoas virão?

Como é que eu poderia saber? Ele pediu um número aproximado. Mesmo isso porém é impossível saber de antemão. Claro, como principal interessado, eu iria fazer propaganda, espalhar pelos meios disponíveis, avisar os amigos. Mas nada disso garante a vinda de uma única pessoa. Sejamos realistas. No Brasil, com o relativo pouco interesse pela cultura, mesmo a cultura pop (a não ser que se consiga um direcionamento muito bom), o comparecimento do público pode vir a ser exatamente igual a zero. As pessoas têm seus assuntos pessoais a resolver e mesmo os amigos podem faltar, ainda que digam que irão.

Isso pode ter sido há mais de três décadas, mas lembro vagamente que, para satisfazer ao sujeito, chutei um número qualquer (hoje eu acho que deveria ter ficado firme em declarar impossível a previsão).

A palestra, porém, não se realizou porque a pessoa em questão apareceu com outra exigência. Já que eu ia ocupar um espaço da instituição, deveria pagar o aluguel.

Mas como? Pagar para dar uma palestra, que é atividade remunerada?

Dificuldades parecidas ocorrem quando a gente quer fazer uma tarde de autógrafos. Uma vez, por volta de 2012, consegui um centro cultural até muito bom, mas me jogaram para uma sala desviada de rota e nesse dia caiu um daqueles temporais homéricos do Rio de Janeiro, de modo que gente que garantiu que iria não apareceu. Creio até que foi a maior chuva do ano, um azar e tanto. Em outra ocasião o responsável por um espaço quis saber o que é que ele ganharia. Ora bem, nós escritores por via de regra estamos muito longe de ser ricos.

Por aí se vê que até para coisas simples como ministrar palestras ou promover tardes de autógrafos não são fáceis de conseguir em nosso país. Recentemente tentei palestrar em outro local, mas exigiram um “projeto”. Eu não sei elaborar projetos, tudo o que eu me proponho é palestrar.

Por que as pessoas complicam?

 

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2022.

 

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