1983
Resolvemos que iríamos de trem para Bauru (vivemos a melhor época: havia trens para todos os lugares, íamos de trem para o Rio de Janeiro e até para Santos!), ao sairmos de Sampa achamos que a viagem não duraria mais que 6 horas! Ledo engano: a PF parou o trem em Campinas e resolveu revistar todas as bagagens que julgassem suspeitas, o que causou um atraso considerável! Após 2 horas e um baseado achado na mochila de duas garotas, liberaram o trem que partiu sob sonoras vaias, afinal seguraram as garotas por causa de um baseado!
Foi o trem mais eclético em que já viajei, havia representantes de todas as tribos imagináveis, hippies, head bangers, punks, skinheads, largados que gostavam apenas de MPB e filhinhos de papai que acompanhavam o que estava em evidência! No trem todos se misturavam e trocavam figurinhas, claro que havia passageiros comuns, estes eram identificados porque ficavam encolhidos nos assentos e olhavam em volta furtivamente!
A longa viagem chegou ao seu destino, finalmente!
Após desembarcarmos havia ainda uma longa caminhada até a Fazenda de Iacanga, onde assistiríamos ao que seria o penúltimo Festival de Águas Claras!
Chovia, chovia muito! Ficamos encharcados assim que nos pusemos a caminhar, éramos muitos e não havia como chegar até a área do festival de outra forma! Perdemos as primeiras apresentações, mas chegamos a tempo de ver o Raul Seixas fumando um baseado antes de subir ao palco e fazer gozação com uma platéia enlameada e encharcada! Foi uma apresentação pífia, ele esqueceu as letras de muitas músicas e acabou desistindo, deixando a banda encerrar a apresentação! Estava com um sobretudo imitando pele de onça e ficou ali próximo ao palco, bebendo e agitado andando prá lá e pra cá! Outros shows aconteceram e estávamos todos saturados de tanta chuva e lama! Nem ligávamos mais!
Estava amanhecendo o dia da última apresentação: João Gilberto subiu ao palco exatamente às 6 horas da manhã, sentou-se em um banco alto de madeira com tampo redondo e dedilhou o violão! Foi mágico: o sol surgiu majestoso após 5 dias de chuva intermitente, caudalosa que castigou-nos impiedosamente! "Dia de luz, festa do sol e um barquinho a deslizar no macio azul do mar"! Ao olhar em volta, víamos os olhos marejados uns dos outros e cantamos em uníssono a plenos pulmões todas as músicas! Isso eu trago nas retinas de minhas memórias, inesquecível!
Messias Barros
In memória de João Gilberto! 08/07/2019
O céu ganhou!