O acontecimento do dia
Na esquina da Cel. José Bezerra Montenegro com o Beco do Roncador, um esbarrão frontal entre dois caminhantes acaba de acontecer. Parece que vai ser o acontecimento do dia. Já começam a chegar ao local da colisão os primeiros curiosos.
Aparentemente nada grave. Entre mortos e feridos parece que escaparam todos. Um dos caminhantes vinha em velocidade padrão, o outro, a julgar pelo ritmo e as passadas largas, deve ser velocista. Só pode: fazer uma curva sinuosa como esta da Cel. José Bezerra Montenegro com o Beco do Roncador sem parar nem olhar para os lados ou, no mínimo, reduzir as passadas é submeter-se a perigo físico, ético e moral.
Acidentes dessa natureza, principalmente na pessoa física dos esbarrões, prejudicam a rotina de nossa comunidade local. Muito comumente, temos de parar nossos afazeres domésticos ou sabáticos para prestar os primeiros socorros aos envolvidos, ou, em casos particulares, arbitrar em favor ou desfavor das partes.
Às vezes e geralmente não damos conta da missão. Aí é a vez dos Bombeiros ou da polícia entrarem em ação e cumprirem com sua missão institucional. Neste caso em específico, porém, não será preciso recorrer aos militares para solucionar o conflito.
Ambos os caminhantes estão fisicamente intactos e moralmente dispostos a chegar a bom termo. Ambos pedem desculpas mutuamente, sorriem, dão-se as mãos, chamando para si a responsabilidade pelo esbarrão frontal: o que vinha em velocidade padrão alega que, antes de fazer a curva, deveria ter assoviado, ou parado e olhado para os lados, para ver se vinha bípede ou quadrúpede quatro rodas. O velocista, por sua vez, esclarece que foi irresponsável ao correr acima da velocidade prevista para a via.
Alguns dos curiosos, testemunhadores da colisão, ficam frustrados. Largaram feijão no fogo, cama desforrada, bebê chorando, pratos sujos na pia, banheiro para lavar, casa a varrer, plantas morrendo de sede, móveis empoeirados, na esperança de salvarem uma vida que fosse, ou, na pior das hipóteses, separar gladiadores.
Agora, diante da colisão frontal entre os dois caminhantes pacificada, sem que para tanto fosse necessário a intervenção dos habitantes locais, diante do aperto de mãos cordial, dos sorrisos e pedidos de desculpas mútuos, retornamos à nossa rotina doméstica ou sabática, com a sensação de dever não cumprido, em parte frustrados, em parte aliviados.