PORTA NA CARA?

Cadê minha aposentadoria?

 

 

Não sei se vocês sabem, mas sou professora.

Cresci estudando num colégio de freiras tradicional de São Paulo.

Segui a risca todos os ensinamentos que recebi e, por obrigação, convicção, medo e opressão, fui vivendo.

Realizei meu sonho de ser professora e com os míseros R$ 100,00 mais ou menos, comecei trabalhando numa escolinha de educação infantil.

Adquiri experiência, porém nada comprovado em carteira profissional.

Resolvi fazer faculdade de pedagogia para convencer os donos de escola que eu era capaz.

Tudo o que aprendi no curso de magistério e na faculdade me fizeram a melhor professora que uma escola poderia ter, pois eu tinha um apêndice a mais: era nova, casada, mãe e acima de tudo trabalhava porque era um divertimento, não era meu ganha pão. Eu não me importava com o salário. O que eu queria era me realizar.

Fui trabalhar em um colégio particular e lá permaneci por 19 anos e ali formei meus dois filhos.

Adivinhe o motivo da minha saída. Divergência política.

Antes que eu praticasse um ato terrorista, preferi pedir para sair.

Tinham implantado um tipo de pedagogia que eu ainda não conhecia muito bem: o construtivismo.

As opiniões começaram a divergir e quando a diretora me chamou a atenção pelo fato de que, para cantar o Hino Nacional eu não precisava pedir para que os estudantes formassem fila e tivessem uma postura em posição de sentido. Eu assustei.

Como não ter uma postura na hora do Hino?

Depois disto veio os intervalos para o canto do Hino. Antes, toda quarta-feira, depois a cada 15 dias e depois, baniu-se o Hino, a Bandeira Nacional, os símbolos da Pátria, etc.

Foi a gota d'água.

Pedi para sair.

Depois resolvi partir para escola pública. 

Ali me reencontrei.

Tudo estava perfeito, até que de repente, durante a pandemia, coloquei o Hino Nacional para os alunos escutarem e fui hostilizada por algumas colegas de trabalho.

Me chateei, porém passou.

Uns dias atrás, depois do primeiro turno, estava chovendo muito e um grupo de professores me viram chegar e por causa da minha posição política, as colegas de trabalho, fecharam a porta na minha cara e mesmo eu batendo na porta, a chuva caindo, ninguém teve a coragem de abrir.

Consegui a chave, perdida da bolsa, entrei, assinei o ponto e fui conversar com a diretora.

Ela por sua vez, respondeu que era uma fase, que isso iria acabar depois do dia 30.

Não gostei desta resposta, mas quem sou eu para desacatar uma autoridade?

Na mesma semana, fui operada e só retornei hoje.

Ao entrar, pensei comigo em tudo que eu vivi na área que eu amo, pensei no meu ideal, pensei na minha formação como ser humano, na minha escolha política, na minha vida profissional e resolvi: está na hora de parar.

O ser humano é cruel. Não enxerga nada que não seja o próprio umbigo.

Não sabe diferenciar, não sabe separar, não sabe relevar, não sabe pensar.

Eu não tenho a responsabilidade naquilo que o outro faz.

Minhas atitudes, meus atos, estes sim são de minha responsabilidade.

Vou deixar a educação, vou deixar de lutar por dias melhores, que pertencem aos meus alunos.

Fiz as contas e em 33 anos de trabalho, formei quase mil estudantes e tenho o maior orgulho em ter sido a melhor e mais capaz professora que meus alunos tiveram.

Foram mil vidas direcionadas para o bem. 

Foram mil vidas ensinando a pensar, a escolher, a não cometer o mesmo erro que meus colegas cometeram e com certeza eles nunca vão se esquecer da melhor professora que eles tiveram.

Ah, antes que me esqueça, esse título que foi me dado, não é invenção minha.

É um mérito que recebo em todos os finais de curso.

Decepção misturado com emoção.

Cadê minha aposentadoria?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PoderRosa
Enviado por PoderRosa em 08/11/2022
Reeditado em 08/11/2022
Código do texto: T7645620
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