Perseguição

O Lego para a Mariana. O carrinho para o Léo. O vestido para a Júlia. O DVD do Roberto.

As compras de Natal haviam sido feitas com sucesso.

Luísa tinha agora apenas que vencer três quarteirões até o estacionamento. O vento forte de chuva fazia as ruas ficarem vazias, e havia uma praça de má fama no caminho. “Ai, meu Deus...”

Os olhos experientes do garoto mostraram seu alvo com clareza. Era aquela madame cheia de pacotes, lógico. Nervosa e rica, bem rica, como estava visível. A dura experiência ensinara a ele que, se fosse visto, ela apressaria o passo ou atravessaria a rua. Ele precisava ser silencioso e só ser notado na hora certa.

Luísa estremeceu. Sentia-se observada. Até que ponto isso era instinto, até que ponto era paranóia, era difícil avaliar. Passou a andar um pouco mais rápido, maldizendo-se por sua imaginação. Começou a atravessar a praça, lançando olhares furtivos para todos os lados.

Ela estava mais rápida. Ele precisava ser mais rápido, também. Depois da praça, ficava um postinho policial. Se ela o alcançasse, era o fim. Ele conhecia bem o tratamento que receberia dos “homi” se apenas se aproximasse da madame. Tinha que ser antes! Ele tinha que ser rápido e conseguir.

A sensação de ser observada aumentou, e Luísa teve certeza de ter ouvido algo logo atrás de si. Uma espiadela sobre o ombro mostrou-lhe um menino magro, sujo, maltrapilho, de pele escura e touca enterrada na cabeça. Ficou branca com o pânico. E agora?

“O posto policial!”

Havia um posto ali próximo. Ela precisava chegar ao posto policial! Apressou-se ainda mais, sobraçando os pacotes com mais força.

Droga! Ele tinha sido visto! E a madame estava quase correndo, agora. Isto é, tanto quanto os saltos e os pacotes a permitiam. Esse atraso era a única chance que ele teria de se aproximar. O posto de polícia estava perigosamente próximo. Ele teria que recorrer ao último recurso, às últimas forças...

Luísa custou a reprimir um grito quando o menino correu mais rápido, ultrapassou-a e parou na frente dela.

“Ai, meu Deus, ele deve estar drogado! Vai apontar um revólver pra mim, vai me levar tudo, isso se não me bater...”

_Isso é seu, dona?

O fluxo de pensamentos da mulher foi bruscamente interrompido. O menino segurava um rico brinco, que ela reconheceu como dela. Devia ter caído no caminho, não era a primeira vez que acontecia naquela tarde.

Estendeu a mão e o menino enfiou o brinco nela, de qualquer jeito. Lançando um olhar temeroso na direção do posto, muito próximo, saiu correndo sem esperar por nada.

Para trás, ficou apenas uma mulher aturdida.

Um dos grandes arrependimentos da vida de Luísa (como ela contaria aos netos) foi nunca ter agradecido.

Strix Van Allen
Enviado por Strix Van Allen em 04/12/2007
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