AMOR PLATÔNICO

Tudo começa com um simples olhar e isso basta para que uma linda história de amor confunda o coração da vítima inebriada pelo sentimento que sem pedir licença chega por último e senta-se à janela.

Dado o primeiro passo a história promete ser longa e duradoura e enquanto não for descoberto a essência do amor que sentou-se à janela, tão cedo não irá terminar, talvez, nunca irá ter um fim.

Descobrir a essência do amor não é uma tarefa fácil, pois o ser que ama na maioria das vezes vê no ser amado tudo aquilo que repreende no ser que ama. É filosófico falar de amor.

O amor que ainda tento descobrir, desde o primeiro olhar cravado naquele belíssimo rosto pálido e angelical, me faz viajar por séculos, a ponto de me perder e me confundir ainda mais, na definição de amor que a filosofia antiga, principalmente no Banquete de Platão, o apresenta como uma força propulsora de vida.

Preciso e devo descobrir esse amor que me consome diuturnamente. É um amor que me faz bem e mal ao mesmo tempo, um amor que me alegra e me entristece, um amor que eu quero para a vida toda e um amor que quero a todo tempo não querer. Difícil saber que amor é esse, pois as vezes gostaria de estar ao lado, afagando e beijando num estado de êxtase, mas por vezes é somente um amor intocável, admirável pelas variadas qualidades do ser que se apresenta a minha frente puro e genuíno.

Seria então o amor definido por Fedro considerando Eros, o deus do amor, como a energia necessária para animar todo o ser vivente, do mesmo modo que considera o amor a força propulsora daqueles que amam, e, portanto, me colocando num status mais virtuoso do que aquele que não ama, já que numa dessas confusões de amar tento, tão somente, atrair a admiração do ser amado, pautando minhas ações no bem, na beleza e no caráter, ainda que censurado pelo olhar de quem eu amo? Talvez pudesse ser esse tipo de amor que meu peito alenta. O amor que é capaz de fazer o amante morrer pelo amado o elevando ao status de divindade, já que para Fedro entende-se “sagrado” tudo aquilo pelo qual estamos dispostos a nos sacrificar.

Às vezes acho que o amor sentido naquela troca de olhares pode ter correlação com a definição de amor discutida por Pausânias, notadamente, quando ele menciona a característica da Afrodite vulgar, onde vê o amor com a concupiscência do corpo, o que me leva, desta vez, a descer do patamar da divindade à fraqueza humana entregue aos prazeres da carne. Não que eu veja essa concepção de amor com maledicência aos amantes, como via a sociedade antiga, ao distinguir o amor da Afrodite vulgar do amor da Afrotide celeste, preferindo a última, por representar um amor pelas coisas belas e nobres.

A confusão se torna mais acentuada ainda, quando admito a postura de Pausânias que o amor coloca de um lado aquele que ama, um homem sábio e experiente, responsável por introduzi-lo nas artes do intelecto e do outro o amado, que concede beleza e juventude em troca dos ensinamentos. Talvez seja esse o amor que sinto. Um homem com uma bagagem pesada e enriquecida pelo tempo abrindo caminho para uma juventude auspiciosa e detentora de infinita beleza que a pouca idade se encarrega de prover-lhe.

Mas o que dizer do amor defendido por Aristófanes? Conta este que a história narra em tempos passados a existência de três gêneros humanos, sendo que cada um deles se materializava numa criatura cujo corpo possuía quatro mãos e quatro pernas, duas faces semelhantes sobre um pescoço redondo, uma só cabeça para esses dois rostos opostamente colocados, quatro orelhas, dois órgãos de geração, e tudo mais na mesma proporção. No entanto, tais criaturas se rebelaram aos deuses e subiram até os céus para atacá-los, provocando como consequência a dicotomia. Desde então, temos duas pessoas que a todo tempo tentam se livrar deste trágico castigo, buscando se completar novamente para voltar a forma original, mas para que isso possa acontecer, a única via de completude é o amor. Seria então esse o amor que me assola a alma, ao reconhecer que aquele rosto lindo e angélico seria minha cara metade?

O amor é mesmo algo complicado, tanto de sentir, como de explicar. Deveras eu senti-lo e não sabê-lo. Mas como distingui-lo partindo de um breve olhar, seguido por uma sequência de sentimentos obscuros, externados por atos dos quais não se tem a menor ideia do que significam? Assim é esse amor e eis minha incansável e angustiosa busca por sua essência.

Na mesma ocasião, onde se discutia sobre esse sentimento, Sócrates também discursou sobre o amor. Para ele o amor é uma espécie de desejo e o desejo é, por sua vez, uma inclinação para aquilo que nos falta. Completa, dizendo que amamos apenas o que não possuímos, pois quando temos, já não há mais amor. A boa notícia é que Sócrates faz uma objeção afirmando que apesar de conquistar o objeto desejado o que ainda se deseja é continuar a possui-lo também no futuro.

E agora o que é esse amor que sinto por essa criatura tão bela e atraente? Seria o mesmo amor que Sócrates e Platão sentiam por seus discípulos? Um amor desprovido do interesse erótico e provido do desejo pela beleza jovem como fundamento da amizade entre ambos. Seria este amor platônico, do ponto de vista filosófico, reconhecendo que o desejo erótico desvia as energias e, assim, o contexto sexual é abstraído abrindo trechos para os interesses intelectuais e emocionais?

Não sei ao certo dizer se esse amor platônico é compreendido como algo elevado, ligado à alma, já que não há possibilidade alguma de destinar-se à procriação, como também não sei dizer se esse conceito de amor platônico é apenas sinônimo do amor inatingível e que a satisfação de apenas senti-lo já basta. Seria possível fundamentar-se no amor socrático da atração erótica do mestre por seu discípulo fundamentado na pederastia que o melhor dos conceitos vem de Aristófanes, quando retrata a divisão das três espécies sendo esta, o corte simétrico da criatura masculina, de tal maneira que o reencontro entres os dois não é por despudor, mas por audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante?

Seja lá como for, à janela ele está sentado, pouco provável que esteja esperando por uma definição, mas sim pela aceitação para poder ser personificado e enfim realizado, pois só assim a natureza de sua essência será descoberta, e seja lá qual for ela, nunca deixará de ser amor.

Paulo Roberto Fernandes
Enviado por Paulo Roberto Fernandes em 07/11/2022
Código do texto: T7644623
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