Fugindo ao padrão
Marinho, ao telefone, atende o Ferreira, de quem ele conhecia a preferência na última eleição e por isso não espera lá nenhuma delicadeza:
– Marinho, meus parabéns, rapaz!
– Como assim? Não entendo, pela vitória no sábado?! Mas você é...
– Também, pelo seu Flamengo. Sequei pacas. E pela vitória, apertada hein?, lá no domingo. O Lula vai governar o Brasil de novo!
– Sim, claro. Estou feliz e espantado... E você fala assim, como se fosse normal pra você. Você que me parece bolsonarista de carteirinha. Pensei que estivesse aí na porta de um quartel pedindo intervenção militar, golpe, essas coisas...
– Eu?! Bem se vê que não me conhece, Marinho. Verdade!... Estudamos juntos. Mas depois nos afastamos e só mais recente é que nos encontramos. Não foi?
– É. Me espanto, Ferreira, porque você está...
– Fugindo ao padrão?
– Eu acho.
– Aqui em casa somos assim. Respeitamos diferenças e nos amamos nas diferenças. Sou Vasco, você sabe... Minha mulher é Flamengo. Vamos juntos sempre ao Maracanã, juntos, felizes e nos beijamos, um contra o outro. Camisa contra camisa. Se a câmera pegasse, o Luís Roberto ia delirar. Luís Roberto, conhece?
– Sim! Sabe de queeem? ... E na eleição, como fizeram?
– Fomos votar juntos. Incrível, na mesma seção. Eu cheguei com a camisa do Brasil e a minha mulher com a camisa do Lula. Ela foi primeiro; eu, depois... E na saída a pequena fila ainda viu o beijo nosso pra celebrar essa festa bonita, que é a democracia.
– E os filhos já votam?
– Não, mas o menino torce pro Lula e a menina pro Bolsonaro. Mas são novos, não sabem bem explicar por quê.
– E vocês saberiam?
– Minha mulher sabe. Conhece números, realizações do Lula. Acha a história dele bonita .Informa-se. Essas coisas que eleitor deveria saber...
– E você sabe por que votou?
– Sinceramente, acho o capitão divertido, com aquela fala meio louca, aquele vaivém... Mas tudo começou mesmo quando um dia fui a uma motociata. Um bolsonarista convicto me pagou o combustível e...
– E?
– Como eu gosto muito de moto, fui viajando e curtindo a festa. Ele me pagou a gasolina de novo, e de novo eu fui. Foram três vezes neste tempo que o homem governou. Até a urna, no domingo.
– Ah, sim, agora entendo.
– Preciso desligar. De novo, parabéns pelo Mengo e pelo Lula.
– Parabéns pra sua esposa, Ferreira... Abração nas crianças.