QUANDO A NOSSA MORTE CHEGA
De repente, morremos. Deixamos de amar, sonhar, conspirar. Deixamos de desejar, tocar, suar, assustar. A nossa carne, outrora tenra e apetitosa, vai se tornando gélida e convoca milhões de vermes pra grande festa. O que será da alma é mistério. Talvez se dissipe, vire um nada qualquer. Talvez se inquiete até achar novo hospedeiro e iniciar o próximo turno. Talvez represente um papel diferente, se tornando uma folha, uma gota ou mero pedaço de chão. Como defunto perdemos todos direitos, todas prerrogativas, todos senões. Os ossos serão os mais bravos guerreiros, teimando em não deixar o tempo cumprir o seu ofício, vão resistir até sempre, impávidos e impassíveis. Dá certo asco imaginar o que restará da nossa soberba e pompa. Ninguém será alforriado desse desfecho, reis e gente qualquer, não importa, acabaremos do mesmo jeito, putrefazendo tudo o que nos restar, calma e solenemente. Nisso somos todos iguais. Ninguém tentará furar a fila pra ter tratamento melhor ou usufruir de certo privilégio ou benefício. A morte nos deixa a todos como seres humanos feitos farinhas do mesmo saco, feitos grãos de areia numa praia sem dono e sem fim.