Espetacular visita

                    aos defuntos

   

                                   Requiescant in pacem

 

 

          1. Rodrigo e eu morávamos na mesma rua. Éramos jovens e traquinas.

          Pra ser preciso, duas casas separavam nossos ranchos. À noite, nossa rua, pouco iluminada, metia medo. Até os vira-latas notívagos, que perambulavam pelas calçadas metendo o focinho nas latas de lixo, assombravam. Latiam desesperadamente e brigavam pela cadela no cio que chegava de repente.

          2. Era o tempo dos guardas-noturnos. Encontrá-los nas esquinas era uma satisfação e um alívio impagáveis. Seus apitos estridentes ecoavam no silêncio das noites e madrugadas. Era, porém, a garantia que tínhamos de que eles estavam por perto, rondando e vigiando, vigiando e rondando. Nas proximidades do Natal eles apareciam com maior frequência. Sabiam que seu presente estava garantido. 

          3. De nossas casas, a minha e a do Rodrigo até o principal cemitério da cidade levava-se, andando, nada mais do que oito minutos. Era tão perto que a gente podia ver metade dos mausoléus dos defuntos ricos e parte dos humildes jazigos dos defuntos pobres. Muitos dos nossos vizinhoso, com medo, supersticiosos, nem pela frente  do cemitério passavam, depois do sol se pôr.

          4. Eu também tinha meus medos daquele velho cemitério; mesmo sabendo que os mortos são inofencíveis. Lera isso em bons livros espíritas.  O amigo Rodrigo se dizia menos apavorado. Muito bem. Uma noite, voltando com o Rodrigo da boemia, convidei-o a fazer uma visita à Necrópole de nossa rua.  Ele topou.

          Mas fiz duas exigências: a) que a visita fosse depois da meia-noite; b) e em noite sem lua. Rodrigo aceitou as exigências. 

          5. Marcamos a noite da visita, consultando antes o calendário; nada devia dar errado. A visita aos defuntos, em seu dormitório, não seria uma brincadeira de criança. Tínhamos que fazer tudo com cautela e com o maior respeito. Visitar defuntos não seria uma irresponsável peripécia. 

          6. Na primeira noite escura, lá estávamos, o Rodrigo e eu, mais de meia-noite, juntos aos muros do Cemitério. A cidade dormia. Iniciamos imediatamente nossa aventura. No Cemitério, reinava o que se podia chamar de um silêncio sepulcral. Nem uma coruja, ave agourenta, aparecia para nos fazer desistir da visita. Não passava por nós os morcegos, frequentadores assíduis das madrugadas. Silêncio, silêncio e nada mais.

          7. Pulamos o muro e partimos cemitério adentro. Passamos pelos  primeiros jazigos, e visitamos os primeiros mausoléus. No maior silêncio para não interromper o sono dos seus moradores. Sentei-me  num batente, fechei os olhos e baixinho disse ao Rodrigo: amigo, tá vendo os belos mausoléus e os modestos túmulos ? Não adianta, neste chão sagrado, todos são iguais. Do mais rico ao mais pobre; do mais feio ao mais bonito e assim por diante. Fizemos uma oração e iniciamos nosso retorno ao mundo dos encarnados, como chamam os vivos nossos irmãos espíritas, filhos espituais de Allan Kardec.

          8. Deixamos o cemitério por volta de uma hora da madruga, com muito o que contar aos amigos e familiares. Sabíamos que poucos iriam acreditar na nossa visita aos defuntos depois da meia-noite. Hora em que, segundo o povo, os mortos saem dos seus túmulos para fazerem turismo na Terra.

          Olha, senhores e senhoras, tenham medo dos vivos; os mortos não fazem mal a ninguém. Todos, a depender do que foram na Terra, estão nos seus devidos lugares: os bons, no céu e os ruins, no inferno. Aproveitando o Dia de Finados, rezemos po todos eles, bons e maus. É um ato de caridade Cristã.

                         Aos meus mortos, que descansem em paz.

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 02/11/2022
Reeditado em 05/12/2022
Código do texto: T7641478
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