Dois testemunhos do tempo da histeria coletiva.
Os dois episódios - e de ambos o herói sou eu - se deram há mais de dois anos, o primeiro na antevéspera do 7 de Setembro, o segundo, três dias após a efeméride.
O primeiro: estava eu, sem máscara, a atravessar uma rua próxima da Igreja Sâo Benedito quando ouvi buzinas a berrar histérica. Assim que cheguei ao outro lado da rua, virei-me para o carro, então estacionado, no lado oposto, e o seu motorista, máscara branca a cobrir-lhe a cara, falou-me qualquer coisa, e fiz um gesto indicando-lhe que eu não lhe entendera, e ele, então, abaixou a máscara, revelando-me sua fisionomia furibunda, e disse-me: "Esqueceu?!" Perguntava-me ele se eu havia me esquecido de pôr, na minha cara, máscara. Fitei-o. E segui meu caminho. Um detalhe: o cara estava, dentro de um carro, a uns dez metros de mim, e com medo, medo que ele se esforçava para de mim, com sua cara de poucos amigos, ocultar. Eu sabia em qual loja ele trabalhava. E na uma hora seguinte, indo e vindo - e sem máscara, sempre - da casa à feira, passei em frente da loja quatro vezes, e o dito cujo não me incomodou. Em uma delas, cruzei o caminho de um senhor, idoso, creio eu que de uns oitenta anos, saudei-o com um bom dia, e ele correspondeu, sorrindo, à saudação. E ele exibia ao público seu rosto desnudo, atraente em sua ancianidade, de traços sérios sem serem sisudos, de olhar tranquilo, sereno. Um herói em tempos de histeria coletiva. Não posso deixar de dizer: estava o idoso elegantemente trajado.
O segundo: estava eu, ao Sol, à fila de uma agência bancária. À minha frente, de mim distante uns três metros, uma mulher de uns trinta anos, acompanhada de uma criança, sua filha presumo, ambas com a estampa coberta com máscara branca e um protetor facial de plástico. Assim que algumas pessoas entraram na agência, e as pessoas à minha frente foram adiante, fiz um ligeiro movimento, e a mulher à minha frente, seu olhar arregalado, o braço direito à frente de si, falou-me, num tom histérico: "Moço, você está sem máscara! Você está sem máscara!", para me manter dela afastado. Juro que na hora senti-me um leproso. A mulher usava máscara e à frente da cara um protetor de plástico e estava distante de mim três metros! Erro se conclui que ela é uma da seita Seguidores da Ciência!?