AQUI E ALI

Há sonhos recorrentes e lembranças que marcam a memória. Sempre relembram viagens em excursões ou sozinhos, com parentes, ficantes ou amigos. Em quase toda viagem, por mais instigante que seja, acabamos por cometer algum mico, ou cedemos ao medo do desconhecido. É próximo de um choque cultural. Ficamos com um frio na barriga diante de situações que fogem ao nosso controle. São alguns casos ouvidos ou vividos nas idas e vindas pelo Brasil profundo ou por terras desconhecidas.

A maioria das pessoas que viaja para o exterior tem sempre alguns lembretes para seguir: cuidado com as estações ferroviárias e aeroportos. São enormes, cheios de plataformas e portões de embarque/desembarque. E, paciência na fila de controle das migrações na Alfândega. Atenção! Se ficar desorientado pode até perder o horário de saída ou entrada de trens ou aviões. Quando estamos saindo do país de origem temos certeza de que vamos encontrar gente que fala a nossa língua. Mas, quando voltamos para nosso país o risco é maior. E, se na hora do embarque nos depararmos com o uso de nova tecnologia e em outra língua? Como vai ser sem dominar a máquina e sem dominar bem a fala? O stress aumenta por ser uma emergência e sem ninguém que nos possa auxiliar. Perdidos, desorientados e desconcentrados, loucos para voltar para casa.

Relatos de uma viagem noturna de trem de Zurich para Paris lembra um filme de suspense. A pessoa que recontou, disse que nem cochilou durante toda a noite, pois ficou com tensão do que aconteceria com ele. Tudo se passou quando o trem cruzou a fronteira entre a Suíça e a França, pois notou uma agitação entre funcionários e guardas nos vagões. Chegavam perto dos passageiros para retirá-los, e desapareciam. Sem aviso nenhum e aproveitando que parte das pessoas dormiam. Os que estavam acordados ficavam em estado de alerta, pois não se tinha certeza se aquela operação visava prender imigrantes. Nesta possível repressão, os turistas podiam ser confundidos com eles. Afinal, a violência contra os estrangeiros se acentuou na Europa.

Tem casos que são comuns e parecem folhetim novelesco e romances açucarados que faziam a cabeça das mocinhas de antigamente, educadas para “mãe e esposa” e “mulher do lar”. Mas, essas mocinhas também gostavam de devaneios apimentados. Uma engenheira em excursão a Marrocos, com o guia e o grupo foram conhecer a cidade islâmica de Marrakesh. Todos curiosos para ver as “Medinas’ (cidades muradas) que fazem contraste com a cidade moderna que a rodeia. Entraram nos “souks” (mercados) frequentados por marroquinos pobres. A moça entretida com a arquitetura e com o pechinchar de mercadorias perdeu o contato com os excursionistas. Confusa e nervosa foi à procura do grupo, e acabou indo para lugares mais distantes onde só os marroquinos frequentavam. Chamou atenção por ser estrangeira, jovem, bonita, vestida com roupas ocidentais. Foi raptada por um beduíno, povos nômades que habitam o norte da África no famoso deserto de Saara. Sua sorte foi que o patriarca líder dos beduínos, percebeu o risco que corria seu povo, cortou as intenções do rapaz e a devolveu à Prefeitura de Marrakesh. Nunca vamos saber toda a verdade. Pode ter sido uma estória parecida com os lances de sensualidade revelados por Bernardo Bertolucci, no filme “O Céu Que Nos Protege” (1990). Quem sabe não aconteceu um affair tórrido com o exótico casal?

Há muitos relatos padronizados por conta da maior incidência de perigos que são comuns aos turistas. Mas, há ocorrências singulares e até divertidas! Sempre alternadas com situações de susto e ação como a série de filmes do diretor Steven Spielberg, que lançou em 1981, “Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”. Para quem gosta de aventuras, o melhor é viajar sozinho, mas se for do sexo feminino é certeiro que se corre o risco de assédio. No interior do Brasil, nas regiões mais isoladas são confirmados os perrengues que podemos enfrentar: ônibus precários que quebram à noite e que vão para conserto; dormir nas pousadas (suspeitas) de caminhoneiros por não ter alternativa; homens que pegam carona no meio da estrada, assustam, pois se corre o risco de assaltos.

Outras variantes podem ter um final vitorioso, como um grupo de quatro pessoas viajando em um jipe em uma estradinha de terra, ligando uma cidade pequena a um povoado no interior do Ceará. Por volta de quatro horas da tarde, o jipe afundou em uma pinguela quebrada. Não houve jeito de tirar o carro do lugar. O grupo decidiu que iria a pé até o povoado próximo. O motorista avisou que estavam no meio do caminho. A mulher foi a única que não seguiu o grupo. Em seus cálculos voltar para o ponto de partida era mais seguro. Pensou como andarilha e não como carona no carro. Começava a escurecer, mas, teimosa foi sozinha a pé pela estrada. Enquanto podia enxergar viu animais de pequeno porte atravessando à sua frente. Entrou em riachos quase secos e não viu viva alma pelo caminho. De repente, iluminada pela lua escutou o barulho de um rio, mais caudaloso e, se deu conta de que não ia conseguir atravessar. Neste momento, como um milagre, viu um casebre com luz de lampião e foi até lá. O morador se prontificou a guia-la até à outra margem. Depois tudo ficou mais fácil, pois estava voltando ao “porto seguro”. Eram umas nove horas da noite e foi recebida pela comunidade, como uma guerreira! Os seus colegas de infortúnio também passaram percalços na estrada, mas, conseguiram outro carro e ajuda para tirar o jipe do buraco. Depois de sãos e salvos foram participar de uma roda de conversa comunitária, pois todos queriam saber das emoções e obstáculos enfrentados nesta viagem, inesquecível para os que gostam de enfrentar desafios. Como fazem no Reconto, “as estórias entraram por uma porta e saíram por outra! Quem quiser que conte outra!”

ISABELA BANDERAS

Rio de janeiro, 31 de outubro de 2022.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 31/10/2022
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