Por que se ama?

Por ela eu nutria um sentimento genuíno, mas não pude fazer nada para salvá-la. Por que se ama, mesmo sabendo que num dado momento, o adeus inesperado vem?

Sim, não pude salvá-la. Ela morreu! Ouvi uma voz distante me dizer, “ela morreu”. Meu olhar nublou, e eu, um ser racional, não raciocinei… não me contive no meu próprio corpo. Não pude. O que fiz? Não lembro. Andei? Vaguei? Eu não lembro.

Minhas lembranças levaram-me à infância, quando ela, cheia de saúde, fazia-me rir, oh! Deus, por que se ama? Ela não era a mesma, o ser cheio de alegria, se foi, restou apenas um vaso, cujas rosas secaram, suas pétalas não exalavam mais vivacidade e perfume, oh! Deus, por que se ama? Suas mãos rígidas e gélidas eram o oposto do que foi um dia. Por que se ama?

Chegamos à cidade dos mortos, lugar silencioso, onde agora ela morará sozinha. Lá foi enterrada, num buraco, sozinha. Seu corpo ficou só. O que fiz? Eu me escondi, me escondi para não dizer adeus! O que pude fazer? Apenas me escondi. Não consegui salvá-la, então não disse adeus, não naquele momento, por isso, me escondi entre as árvores e túmulos da cidade.

A pequena multidão saiu, um a um saiu. E eu fiquei só na imensidão da silenciosa cidade, por entre grandes e pequenas lápides. De súbito, cresceu em mim um desejo de abraçá-la. Minhas pernas se moveram. Mesmo querendo fugir, meu corpo se moveu até ela. Sem perceber, meus joelhos tocaram o chão e de maneira inaudível chorei, minhas lágrimas caíram no chão…

O chão que abriga inúmeras pessoas mortas, inclusive ela. Sepulturas, várias sepulturas, casas que hospedam pessoas amadas, assim como a minha que acabara de ser depositada. Ali jazia seu corpo sem vida, e sua essência onde estaria? Quis saber. Será que de outro plano ela me viu escondida por entre as árvores, adiando o adeus? Porventura ela sabe que em mim, ficou o agre gosto do desgosto de não poder salvá-la? Eu… Eu, realmente, queria saber.

No entanto, não obtive respostas, como castigo, fechei-me dentro de mim, enclausurei-me como um condenado que não tem mais sucesso de provar o doce sabor da liberdade. Estava decidida a continuar assim, até que uma mão destemida agarrou-me e me forçou sair da prisão.

— Você fez o que estava ao seu alcance.

Eu realmente fiz? Pensei. Gradualmente me recompus, de maneira consciente, percebi que não poderia adiar… Chegou a hora do último adeus. Fiz força com os joelhos e levantei. Foi uma despedida sem voz, um beijo sem tato ou calor, apenas um olhar saudosista endereçado àquela que não poderia vê-lo. O último adeus foi penoso e solitário, sem lógica ou explicação. Você poderia me dizer por que se ama, mesmo sabendo que num dado momento, o adeus inesperado vem?

28- 10- 2022

Daniele Pereira
Enviado por Daniele Pereira em 31/10/2022
Reeditado em 31/10/2022
Código do texto: T7639680
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