Glossaura, a manipuladora (II)
Vez ou outra deparamo-nos com pessoas que chamam a atenção apenas porque existem. Glossaura Santos Silva, exatos 1,47 m, ombros largos e braços de jogador profissional de tênis, corte militar dos cabelos crespos, é uma dessas pessoas que fica retida na memória de quem a vê, mesmo que por uma única vez.
Seu registro vocal de mezzosoprano (quiçá até de contralto) combinado com sua forma assertiva de revelar suas verdades e sua incrível habilidade de atropelar as mais elementares regras vernaculares, fazem dessa senhora um ícone agregando-lhe mais simpatia e popularidade.
Embora não seja exigente com a alimentação, tem apetite voraz: não salta refeições, intercala-as com algum lanchinho e esquiva-se de qualquer tentativa de dieta balanceada: tem necessidade de porções generosas. O prato montado passaria perfeitamente pelo de um jovem servente de pedreiro em plena atividade. Esbanja alegria ao fazer qualquer refeição; é um prazer observá-la na lida com as garfadas. Come com gosto estampado pelo corpo.
Comer é um ato de providenciar prazer e aquietar a alma. Glossaura torna-se mais simpática, dócil e empática quando bem alimentada. Não sabe sorrir, mas gargalha facilmente e transmite energias revigorantes aos que a cercam. Tem espírito de liderança, mas não pode assumir função alguma de líder, pois faz emergir sua faceta ditatorial. É obcecada por limpeza de cantos e de áreas escondidas. Aprecia ser livre, desde que possa estar no controle das pessoas com as quais convive. Seu potencial de manipular com discrição é surpreendente.
Sua necessidade de se sentir aceita é gigante, e quando é decifrada por alguém, emprega a estratégia do afastamento e a pessoa é sumariamente cancelada de suas atenções. Ela possui todo um arsenal de truques para seduzir as pessoas a convidá-la para um café da manhã, um almoço ou jantar. E quando não é convidada, aguarda desinteressadamente que alguém pague a conta para, bem mais tarde, perguntar quanto deve. Na remota possibilidade de alguém responder, ela agradecerá e se esquecerá da dívida. E ficará o dito pelo não dito.
Nem mesmo os que lhe são mais próximos conhecem pormenores de sua intimidade. Nada, jamais, é revelado e as tentativas de invasão nesse terreno são sutilmente ignoradas. Mantém todas as portas sempre fechadas em sua casa, mesmo as dos quartos e banheiros. As janelas, abre-as em minúsculas frestas, só para renovação do ar. Expõe livros que jamais leu, CDs que jamais ouviu e DVDs a que jamais assistiu. Sua relação com plantas é a de presença de um enfeite: ocasionalmente se dá conta de que plantas são seres vivos. Sua relação com o cachorro é de trocar os panos e mantê-lo limpo e bem alimentado.
Há uma atividade da qual ela gosta e que conhece bem: futebol. Mantem-se informada sobre as composições dos elencos dos clubes, das movimentações de técnicos e árbitros, dos placares locais, nacionais e internacionais. Seu segundo favorito é o tênis, sobre o qual também costuma estar atualizadíssima.
É uma mulher que crê: diariamente recita o ofício divino e eleva preces antes das refeições. Facilmente pede desculpas ou mesmo perdão quando isso lhe proporciona alguma boa moeda de troca. Como um girassol, está atenta à sua cotação no mercado das commodities afetivas.