Boa noiteeeeeeeeeeee!

O nome do cidadão é Sérgio. Sérgio Gregório. Porteiro. Trabalha em uma das entradas do Campus II, da Unoeste – Universidade do Oeste Paulista, em Presidente Prudente.

Faz questão de cumprimentar todas, absolutamente todas as pessoas. Pensa no melhor boa noite que você poderia ouvir: nem chega perto do boa noite do cara!

Se quiser aferir com precisão, providencia um decibelímetro. Mas passa de cem, seguramente. Lá do estacionamento dá pra ouvir a saudação.

E não é curtinho não:

- Ahhhhh! Boa Noiteeeeeeeeeeee!

É intenso, é entusiástico, é otimista, é alegre. Vem acompanhado de um baita sorriso. E pelo nome da pessoa.

- Fala sério: é muita gente pra reconhecer! Impossível!

E olha que não são só os alunos. Pode incluir nessa conta os pais, mães, namorados, esposos, motoristas dos ônibus e vans que vem de todos os municípios da região e até dos estados vizinhos.

É que tem um segredinho: ele faz anotações, associando o nome a uma característica ou a qualquer informação que possa identificar a pessoa.

Jéssica – cabelo laranja

Lucas – tatuagem no pescoço

Aline – Celta azul

João Pedro – boné virado pra trás

Vitória – sempre atrasada, namorada do Caio, dos olhos verdes

Ainda assim, não dá pra garantir 100% de aproveitamento. Realmente, às vezes falha, não dá pra negar. Aí ele aciona o Plano B:

- Boa Noiteeeeeeeeeeee, Menino!

- Boa Noiteeeeeeeeeeee, Menina!

Quem percebe que ele não tá lembrando, logo cobra: “Não acredito que esqueceu meu nome, Serjão!”

Aí ele consegue convencer a pessoa a falar o nome e ainda reverte o lapso, prometendo que nunca mais vai acontecer. Sorrindo. Sempre!

É impressionante! Você pode ter tido um dia daqueles, pra riscar do calendário, apagar da mente. Nem precisa tanto: pode ter sido um dia comum também. Todo mundo vive na maior correria mesmo. As buchas vão se acumulando. E ninguém deixa elas lá num cantinho quando sai pra faculdade. Vão todas junto!

Levou catracada do chefe, esqueceu o celular no balcão da loja, brigou com o mozão, acabou a grana e ainda tá chegando boleto, a fila não anda, o pão caiu com o lado da manteiga virado pro chão, o busão não passou justo no dia da prova, o gato da vizinha comeu o passarinho, mais boleto, a internet bugou de novo, misericórdia!

Aí é que faz a diferença o boa noite do rapaz. O cumprimento desarma qualquer um. Não dá pra não retribuir, no mínimo, com um sorriso. E é nesse momento que a mágica acontece. Não faz desaparecer os problemas, mas é um belo de um alento pra seguir em frente.

O efeito colateral é que, depois que a gente acostuma, não consegue mais ficar sem. Até os colegas do trabalho são dependentes do boa noite. Dia desses, um dos rapazes da vigilância motorizada parou pra receber a pílula diária de vibe positiva.

- Capricha aí, Serjão! Se não for daquele jeito, que chacoalha as estrutura, nem passo mais por aqui!

Ganhou um especial, com direito a afinada de voz no final. É uma das versões mais maneiras.

- Esse cara é outro nível, não é não?

Logo depois chegou um ônibus. Mãos pra fora em todas as janelas. Lá dentro todo mundo gritando:

- Boa noiteeeeeeeeeeee!

Olha essa, então: as aulas presenciais foram suspensas durante a pandemia. Todo mundo em casa, todas as atividades on line. Imagina como esse cara não deve ter ficado. Não tinha com quem compartilhar o tão famoso cumprimento.

Mas, fazer o quê? Morto não dá boa noite! Quando a prioridade é a vida, não há o que se discutir. A crueldade é que a travessia foi longa demais.

Pior que não foi só ele quem deprimiu. O Departamento de Marketing recebeu uma solicitação meio que, incomum, de uma estudante: a moça tava com saudade do boa noite do Sérgio.

Então chamaram o artista. Gravaram um vídeo com um super boa noite pra atender o pedido. Será que viralizou? Ele contou que foi um dos dias mais marcantes da vida dele!

Igualzinho o Pequeno Príncipe: responsável por quem cativa. É clichê, mas se encaixa no contexto, por que não citar?

Ele coçou a cabeça:

- Não é que é verdade mesmo? Vou anotar essa...

E é a real. O pessoal sente falta quando não vê a figura lá na guarita. Às vezes, precisam que ele trabalhe no outro Campus. Ano passado ficou um mês inteiro por lá.

Eu mesmo fiquei apreensivo. O que será que aconteceu com ele? Quando voltou, não tava sozinho: trouxe consigo a alegria da galera!

Outro barato é começo de ano, quando chegam os bichos. O primeiro boa noite ninguém esquece! Também acontece quando tem evento na faculdade e o pessoal para pra perguntar onde vai ser, como chegar. E aí vem a saudação inusitada.

- Boa noiteeeeeeeeeeee!

Tem gente que se espanta, rola até uns sobressaltos, mas quando se dá conta do que tá acontecendo, o cumprimento é devolvido com sorrisos, alguns de alívio pós susto, outros de curiosidade.

Bom, a esta altura, você também já deve tá se perguntando: mas de onde esse menino maluquinho tirou esse boa noite? Como será que começou?

Segundo o próprio, por exigência do serviço. Precisava saber quem era a pessoa que tava entrando: se era aluno, parente de aluno, namorado, cônjuge. Como é que vai permitir que se ingresse no recinto sem a devida identificação?

O embaçado é que nosso amigo tinha um certo retraimento pra abordagem. Timidez mesmo. As pessoas passavam e ele só conseguia soltar um boa noite bem mirradinho, daqueles mais pra dentro que pra fora. Deu que quase ninguém respondia.

E acabou que o moço ia ficando cada dia mais chateado.

- Puxa vida, não sou uma árvore pra ser ignorado desse jeito!

Foi então que veio a ideia – e com ela a coragem – de subir o tom pra chamar a atenção. A ousadia funcionou. E com retribuição diretamente proporcional ao volume.

Aí foi só questão de tempo pra virar marca registrada.

Hoje ele se considera o colaborador mais bem remunerado da universidade.

- As pessoas olham pra mim! Faz ideia do tanto de sorrisos, de carinho e afeto que recebo todos os dias aqui? Isso tem preço? É a maior riqueza que se pode ter!

Bom, meu querido, ainda arrisco dizer que existe mais um tesouro, na mesma prateleira: pensa em quantas confraternizações de ex-alunos, aqueles reencontros depois de vinte, trinta anos, você vai ser lembrado. Só em todos. Vai estar sempre no top five das melhores memórias.

Lá pelas tantas, quando o povo formar a tradicional rodinha, é batata que alguém vai citar aquele porteiro que recebia todo mundo com um boa noite que chegava até às estrelas.

- Claro, o Serjão!

E não vai ter um que não vai sorrir!

Pois é, quem diria que um boa noite tão sui generis acabaria transformando quem sequer era notado em quem jamais será esquecido!

- Boa noiteeeeeeeeeeee!