A crônica que eu não deveria deixar de escrever (II)
Não haverá delongas, caro leitor. Serei simples e direto. Há quatro anos – por ocasião das eleições – em que a sociedade já se apresentava dividida e o ódio invadia o cenário, eu dissera que a expectativa seria que os novos tempos fossem de paz e construção do país. Pelo menos, é normalmente assim que se faz. Acabam as eleições e o eleito governa pra todos, até que surja a nova eleição, que, no Brasil, tem, em todas as situações pós-redemocratização, ratificado o governante no poder.
O atual presidente assumiu, em 2019, e, na verdade, nada de minha melhor expectativa se confirmou – diria que era só um lampejo otimista, pois eu o conhecia de declarações pretéritas.
O governo atual – e não precisa ser cientista político pra ver – aguçou a cizânia e fez de tudo para manter o país dividido entre os que são dele e os que veem outros caminhos para o Brasil. E os métodos do Bolsonaro estão longe, muito longe do mínimo do que eu, como brasileiro, podia esperar para minha terra.
A vida seguia. Ele tinha problemas, sim. E a pandemia foi um deles. À época, imaginei que ele poderia usar o trágico episódio a seu favor, provocando a união e esforço no combate à doença, até que a vacina viesse nos salvar. E talvez se tornasse imbatível. O que ocorreu, todos sabemos. Ele ficou contra a vacina e não foi minimamente respeitoso (haja eufemismo!) com os que padeciam ou morriam com a doença.
Alguém o viu nesses quatro anos reunido com governadores para traçarem estratégias de governo? O que vimos, na pandemia, foi aquela disputa do ‘fique em casa’ da ciência contra o ‘vai pra rua’, do Governo, situação esta que poderia ter aumentando (e muito!) o número de vítimas com a pandemia de covid-19.
O presidente inaugurou o estilo de governo do ‘nós’ contra ‘eles’ e insistiu nessa tática, que dividiu a nação, imputando o mal aos seus adversários mais diretos, no caso o Partido dos Trabalhadores. Tudo tão fácil, tão simples de ver... O presidente lutou por armas e não contra armas. Quis ver o país armado e, não raro, temos visto as consequências danosas dessa política condenável.
Sei que o senhor presidente tem eleitores, milhões – fruto do cercadinho, da palavra fácil e da sua repercussão em redes sociais. Tenho amigos do outro lado, me visitam, me mandam e-mails. Em algumas situações, é melhor não mexer na ferida, pois os ânimos estão exaltados, e há pessoas que nos ofendem e se ofendem com a menor contradita. Outro dia, um deles me mandou o vídeo impensado (outro eufemismo!) da Damares – aquele sobre as crianças, gravado em um templo. Apaguei. Responder o quê?
O senhor presidente vai na sua luta por votos, e isso é mais que legítimo. Os métodos é que não são. Ironizar o adversário é válido... Chamá-lo de ‘nove dedos’ é ofensivo a todas as pessoas que, nas intempéries da vida, sofreram algum tipo de mutilação. É ofensivo ao trabalhador que se machuca no labor. Chamá-lo de ‘pinguço’ é ofensivo a todos nós que, volta e meia, nos permitimos prazeres nas libações. E, se pensarmos bem, é ofensivo a quem está adoecido de beber, necessitando de assistência especializada.
Fiquei aqui, ao longo dessas linhas, procurando algo que, nesses anos de Governo, eu tenha encontrado pra aplaudir, sem contar ações recentes de cunho sabidamente eleitoral. Não encontrei. E, se encontrasse, não teria prurido em dizer.
Por tudo isso, estou do lado de lá... Vou com a história de Luiz Inácio.
E, caso não cheguemos lá, espero que, ao contrário da previsão de muitos, nossas instituições democráticas continuem funcionando. Afinal, o atual presidente é volúvel e não seria descabido esperar! Ou seria?