Uma nova chance

No quintal de esquina de uma casa em São Patrício, um pequeno bairro próximo a Praia do Barrote em Serra, Espírito Santo, viviam quatro cachorros que me fizeram refletir o quão nós imitamos a sociedade dos animais. Caramelo, Pretinha e Bob nos receberam com alegria vista nas suas lambidas em nossos pés e no balançar acelerado de seus rabos.

No andar de baixo, isolada pelas paredes descoberta de um pavimento desativado estava Kira, que nos olhava ansiosa para uma afagada e recebeu apenas o estalar dos meus dedos.

A cada dia, eu percebia hábitos diferentes dos cães: Caramelo e Pretinha dormiam entrelaçadas e após o amanhecer se espalhavam pelo quintal a latir saudando as crianças que chegavam à escola do outro lado da rua, enquanto Bob literalmente dava com o focinho nos automóveis que faziam a curva a tentar impedi-los de cantar seus pneus e Kira permanecia aprisionada sem poder desfrutar das peripécias do mundo animal e ansiosa ouvia o canto do sabiá que rezava forte pela sua liberdade.

O motivo do seu castigo foi a barbárie animal que quase culminou a morte de uma cadela andarilha, uma linda princesa, tocaio de Pretinha, namorada de Bob, que brincava com sua filha, e que foi salva pelas mãos da Pastora. Antes, todos viviam em harmonia até o dia em que o ciúme da emponderada mãe fez com que rosnasse para os seus próprios donos, tentasse morder os visitantes da casa e os pássaros que catavam os pequeninos gravetos para construção de seus ninhos, além de não responder a comandos básicos, fazia demarcação territorial intensa e demonstrava comportamento possessivo.

Um dos momentos de alegria de Pretinha que rolava o pequeno barranco com sua amiga foi interrompido pela agressividade exagerada da mãe que deu um bote no pescoço da intrusa e tentava estraçalhá-la a deixar todos os moradores perplexos com a cena de terror e felizmente alguém conseguiu desfazer o cenário.

Ainda bem que as mãos abençoadas de quem assistiu a pobre cadela foram destras e ao voltar para casa, não houve alternativa a não ser doá-la e privadamente encarcerar Kira.

Eu resolvi visitar a condenada cachorra e fui recebido com a mesma polidez dos outros três animais. Ela pousou suas patas em meu peito, lambeu meu rosto e quase meu corpo agachado e desiquilibrado tombou para trás, o que me fez pensar:

" Até um animal merece uma nova chance"

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 22/10/2022
Reeditado em 22/10/2022
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