Banho de chuveiro
É uma briga para entrar, várias para não sair. Em manhazinha de sábado, então, quando antes do sol aquecer, é sacrifício enorme, que, igual a todo sacrifício que se preze, nos traz recompensas.
Mais que tarefa profilática universal, tomar banho de chuveiro deveria constar do rol de atividades físicas multidisciplinares, com registro no Conselho Federal de Educação Física e Medicina Legal.
É atividade aeróbica: quase todo homem em ressaca sabe. Embaixo do chuveiro, ao mesmo tempo em que se higieniza o corpo, pode-se igualmente exercitá-lo: correr 10km ao redor de si mesmo, pedalar satisfatoriamente outros tantos quilômetros, empinar pipa, subir escadas imaginárias, pular amarelinha, praticar ginástica, ioga, montanhismo e até natação.
Pode-se, inclusive, negligenciar o tempo, mediante o uso do banho de chuveiro. Imerso em banho de chuveiro, é comum perdermos a noção de tempo e, em alguns casos graves e alucinógenos, ignorarmos o limite de nosso quadrado. Não raro, a essa altura do campeonato, somos transportados para lugares muito interessantes e legais, o que contribui para o desenvolvimento de um certo humor idiossincrático e saudável.
Banho de chuveiro, é quase consenso na medicina caseira, não consiste unicamente em atividades espirituais, físicas e recreativas. É, antes de tudo e ademais, excelente desculpa, quando alguma visita chata nos bater à porta várias vezes, e a gente fazer-se de João sem braço; o telefone tocar insistente e ruidosamente, e não o atendermos; os e-mails acumularem-se na caixa de entrada, não lidos e sequer olhados.
Que não nos responsabilizem por essas negligencias propositais. A culpa não é nossa. Não somos tão malvados assim. A culpa é do chuveiro. Mais exatamente do banho de chuveiro, que nos subtrai, como comprovam as estatísticas, nos subtrai demasiado tempo, água, sabão e outros derivados derivativos.
Que os banhos de chuveiro, para o bem do progresso e da globalização, com vistas à sustentabilidade ambiental e social, logo, logo serão proibidos, não duvido. Alegarão que é preciso preservar o futuro da futura geração. Suspeito, porém, que o motivo desse provável cerceamento será outro, menos nobre e futurista.
Outro dia, li em uma revista científica que um homem, em idade de 50 anos em média, gasta por volta de 100 dias de sua vida na profilática tarefa de se barbear. Li, e me assustei com a soma. É uma conta significativa essa, que, por tabela e aritmética, me faz supor que, se um homem para se barbear regularmente gasta tudo isso, imagine quanto de tempo não gasta embaixo do chuveiro.
Não quero insinuar que o real motivo para um futuro cerceamento de nossos banhos de chuveiro será por questões financeiras, políticas, trabalhistas, e menos nobres e ambientais. É apenas uma suposição minha, que me chegou por intermédio deste banho de chuveiro, que já dura não sei quanto tempo de hora. Este banho de chuveiro que me leva tempo de minha vida e que, para compensar o sacrifício, me traz este pensamento, mais ou menos otimista, de Quincas Borba, não o homem, mas o cão que tem o mesmo nome do dono: “A vida não é completamente boa nem completamente má.”
É, pode ser, talvez.
Mas, por via das dúvidas, vivamos hoje. Amanhã pode ser ilegal.