O QUE É A MORTE?

O que é a morte?

O fim de uma jornada, bem ou mal vivida? O fim do suplício para quem sofria de uma doença terminal ou degenerativa? A saída de uma existência sem sentido para os que optaram pelo suicídio?

Não tenho uma relação muito amigável com essa entidade retratada com caveira e gadanha.

Minha avó, que foi minha segunda mãe, partiu justamente no dia que fui visitá-la, mas duvido que tenha me reconhecido na última hora.

Minha mãe se despediu de mim com um beijo no rosto - eu deitado no sofá após expediente de trabalho, ela e meu pai indo para o sítio da minha irmã - e depois só fui vê-la fria e indisponível sobre a mesa de um necrotério.

Não pude me despedir da tia Olga, meio mãe de mim e de meus irmãos sem ter deixado de ser virgem.

Ainda vou escrever a história de tia Olga, uma mulher que viveu em função dos pais e familiares e que talvez tenha morrido virgem. Nesses tempos onde a sexualidade escorre por todos os poros, buracos e mídias sociais, ter morrido supostamente sem conhecer a paz do passarinho é praticamente um enredo de realismo mágico. García Márquez lavaria a égua com um tema desses.

Minha avó paterna nunca aprendeu português. Em nossas últimas vivências eu não sabia conversar com ela. Mas foi minha melhor plateia, quando eu representava para ela - imóvel numa cama ou cadeira de rodas sem poder fugir do suplício - as peripécias que assistia nos filmes da TV preto e branco.

Minha mãe partiu muito cedo e eu nem pude dizer que a amava - amo.

Ainda assim, apesar de tudo isso e aproveitando o recente setembro amarelo, não desejo o suicídio para ninguém, por mais que a vida pareça uma sucessão de dias iguais, insípidos e inodoros. O cantor e compositor Gonzaguinha foi muito feliz ao descrever esses prós e contras na linda música “O que é o que é?”, quando diz “Há quem fale que a vida da gente / É um nada no mundo”, para depois escrever ‘É o sopro do criador / Numa atitude repleta de amor.”

Viver vale a pena. Embora pareça frase de Lauro Trevisan ou outros gurus de auto ajuda ao autor, a verdade que não quer calar é que a vida é única. Preencher com coisas boas ou nem tanto é opção de cada um. Por isso, apesar de tudo e apesar de nós mesmos, que a vida seja, como também escreveu o já citado cantor: “Sempre desejada / Por mais que esteja errada / Ninguém quer a morte / Só saúde e sorte.”

Eu estou longe da perfeição e do orgasmo múltiplo e partilhado. Mas continuo vivo, o que deve significar alguma coisa. Nem que seja para escrever nesse espaço que o Recanto me proporciona.