Pérolas de minha neta Cecilia: Terceiro Ato

 

Minha netinha Cecilia continua nos surpreendendo
com suas manias e peripécias. Cada temporada ela se
rebatiza com o nome de um personagem de seus desenhos
favoritos. Nessa turnê ela já foi a Skye da Patrulha Canina,
escondia os bichinhos na casa inteira para serem resgatados.
Sempre tinha um nome para todos da matilha familiar. Na
maioria das vezes, com uma justificativa para suas escolhas.
Escolha de suas personagens:
— Eu gosto de ser a Skye porque ela voa sem helicóptero,
vovô, e salva todos que estão caindo do céu.
Ainda bem que sua casa, andar de cima, tem tela nas janelas,
senão era perigoso arriscar um voo. O par de peneiras da mamãe
que se cuide, caso contrário usará para levitar em suas fantasias.
Outrora era a Dashi Dog dos Octonautas, nessa fase tínhamos
que arrumar seu cabelinho com marias-chiquinhas para imitar as
orelhinhas de sua cadelinha preferida. Adivinhe quanto tempo
durava o penteado para arrumado?
— Eu sou a Dashi porque ela nada no fundo do mar com
um capacete de água.
Mudou de personagem, mas continua sendo uma cadelazinha!
A Rapunzel dos Enrolados, a exigência era ter uma trança
amarela que “iscotava no chão”. Essa pronúncia do “encostava”,
só a ouvindo para entender a graça de cada neologismo criado
por ela. O bom é que toda a família adota as palavrinhas recriadas
por ela que de sua boquinha com o tempo sumirão. Algumas,
com certeza, repetiremos por muito tempo.
— Vovô, a Rapunzel não precisa de porta para sair de casa,
ela escorrega na sua trança pela janela. Você não sabe, vovô?
Moana de “Edmontunui”: nessa incorporação precisava de
um coque para navegar em seu barquinho imaginário e terminava
a aventura com cabelo todo “esgadanhado”. Como ela tem um
cabelo muito fininho, quase nenhum penteado suporta os ventos
do alto mar.
— Você sabe, vovô, que ela fica toda molhada dentro do
buraco do barco quando navega pelo mar. O Hei Hei e o Pua
também vão no barco!
Dra. Brinquedos e seu jaleco quase branquinho. Quase branquinho

porque ela costuma usá-lo em suas obras de arte, Picasso
e Monet morreriam de inveja se ainda estivessem por aqui. Nessa
fase não era fácil ser seu paciente devido à quantidade de exames.
Abria sua maleta de instrumentos médicos e fazia um check-up
geral na gente. Era um tal de olhar ouvidos, nariz, garganta, olhos
e escutar o coração. A receita básica para todos os pacientes e males,

quase sempre era a mesma: “tylelol”, como diz a Dra. mirim.
Perguntei para ela:
— Cecilia, que fantasia é essa?
— Eu não sou a Cecilia, sou a Dra. Brinquedo, você não
está vendo?
A Gabi da Casa Mágica e seus incontáveis gatinhos. Passava
o dia todo com um arquinho de orelhas de gatinho na cabeça,
e, um detalhe, estávamos proibidos de chamá-la pelo seu nome
de batismo. Em sua casa tem outras duas moradoras: Minsky e
Marie, suas irmãzinhas gatas. Vivem correndo da gatinha alfa e
se escondendo debaixo da cama.
— Ola, vovô agola eu sou a Gabi, está vendo minhas olelhinhas
de gato?
No momento está batendo de Elsa do desenho Frozen da Disney.
Se não a obedecemos, ela transforma a gente em gelo, conforme a
personagem Elsa. E não adianta a gente correr, do lado de fora de
sua casa quase sempre está coberto de neve. Sai de uma fria e cai em
uma gelada, ainda não acabou a “Era do Gelo”. Essa pequena mora
no extremo norte do Canadá, na cidade de Edmonton.
— Mamãe, vamos desenhar um avião grande, quero colocar
quem eu amo dentro. Eu amo todo mundo dessa cidade!
Não vai ser muito grande sua aeronave, Edmonton só tem
um milhão de habitantes.
Eu pedi para dirigir o avião e a pequena:
— O papai vai dirigir o avião, você não pode!
O pai, para dar uma apimentada na conversa, tenta em vão
retrucar:
— Filha, eu não sei dirigir o avião!
— É só você colocar no seu celular, papai!
Toda vez que saímos de carro para um lugar diferente usamos
um aplicativo de navegação. Para ela o avião é a mesma coisa.
Que mundo mágico, hein!
Para tornar as despedidas mais fáceis, a sua mãe comprou um
livro, O Fio Invisível . A história do livro conta que existe um fio
invisível que liga todas as pessoas que ela ama mesmo estando
longe. Reparem como sempre tem uma saída para tudo.
— Mamãe, quero desenhar todo mundo que eu amo e que
está dentro de nossa casa.
Continuou com sua atividade de desenhos e nomeando cada
um que acabava de desenhar.
— Mamãe, esse é o papai, ele é grandão.
— Esse é o Arthur, ele não é criança, é bebê. Não pode brincar
com brinquedo de criança.
— Aqui você, mamãe, pertinho da Cecilia.
A mãe interrompe a tagalerice e pergunta:
— Filhota, quem é esse que você está acabando de desenhar?
— Esse é o vovô Kendinho!
— Uai, esse tem o cabelo muito grande e o vovô Kendinho
não tem cabelo!
— Mamãe, isso não é cabelo, é o fio invisível do vovô Kendinho

que é muito grande!
Um dia desses, em uma treta com seu pai, tentou congelá-lo
com uma carinha de desaprovação.
— Não quero que faça isso, papai! Tchiiii tichiiii, papai, você
está congelado para sempre!
Se ela realmente tivesse o poder de nos congelar, teríamos
que ficar pianinho ou viraríamos picolés até que ela precisasse
da gente para ajudá-la em algo.
Tem dia que acorda incorporando uma Unicórnio Ágata e pedindo

a mãe para fazer um rabo de unicórnio em seu cabelo. Outro
detalhe engraçado, ela coloca nova alcunha em todos os membros
da família. Sempre sobra um nome de personagem para os pais,
irmão, avós e tios, não aceita reclamações nem barganha de nomes.
Essa minha netinha é muito carinhosa, inteligente e esperta, se
não quisermos ter problemas com os poderes de seus personagens,
é só concordar com tudo que ela quer e ser obediente.
Na escolinha costuma fazer o papel de professorinha, como
sempre, tem um pirralho que não acata suas decisões.
— Filha, por que você mordeu seu coleguinha? É muito feio
fazer isso, a mamãe fica triste.
— Ele não quis me obedecer, mamãe.
— Da próxima vez você chama a titia da escola para resolver.
— Tá bom, mamãe!
É bom os coleguinhas obedecê-la ou correm o risco de serem
repreendidos com uma marca de relógio de 20 horas em algum
lugar do corpo.
Um dia desses cismou que queria comer só pão, então seu
pai, sem prestar muita atenção no contexto, disse:
— Filha, você não pode comer só pão, tem de comer frutinhas
também. Uma fatia de pão e uma frutinha!
— Pai, esse pão já tem frutinha, então eu posso comer três fatias!
O pai não havia percebido o tipo de pão que a menina comia
e acabou caindo em sua pegadinha.
Em um outro dia nós dois estávamos andando de bike e
ela toda feliz remexendo na cadeirinha igual uma minhoca. Eu
pedindo para ela ter cuidado, aos poucos foi se aquietando e
começou a reclamar que estava com frio.
— Meu braço tá muito frio, vovô.
Parei a bicicleta e coloquei os bracinhos dentro de seu colete
que não tinha mangas, ficou parecendo um pacotinho e quase
sem nenhuma mobilidade. Pensei: quero vê-la ficar desinquieta
agora. Ainda por cima, ajustei bem o cinto de segurança da cadeirinha.

Continuei o pedal e a pequena remexendo igual a uma
cobrinha presa em um saco.
— Eu não consigo mexer, tá muito apertado.
O pedal não durou muito tempo mais, ela não suportou
ficar presa.
Cecilia ensinando inglês ao vovô:
— “Vevelho” é red, gato é cat, “agola” é now vovô!
— Cecilia, não é “agola” que se fala é agora…ra…ra!
Nesse momento eu estava dando comida para ela, batata com
linguiça. Resolvi fazer uma sabatina no inglês da canadensezinha.
— E batata em inglês como é?
— Potato, você sabe, vovô?
— Não me lembrava — respondi. — E linguiça?
— Lenguecha.
Como ela sabe que eu não falo inglês, o que ela também não
sabe, inventa. O pai dela foi quem questionou:
— Filha, linguiça em inglês não é lenguecha, é sausage!
Ela olhou para mim e deu uma risadinha bem irônica.
Continuei o interrogatório:
— E uva em inglês?
Ela mais do que depressa:
— Você não sabe, vovô? É uvarrr!
Olhei no Google tradutor e disse a ela:
— É grape!
De novo deu sua tradicional risadinha.
Anteriormente eu fiquei falando com ela que não era “agola”
e, sim, “agora”, puxei bastante o erre para ela perceber! Como eu
sou do interior de Minas Gerais, da cidade de Pimenta, carregar
bastante o erre nas palavras é uma especialidade. Quando perguntei

como era uva em inglês, aproveitou para fazer hora com
minha cara e teimar o “r”.
Quase nunca vem o esperado dessa pequena.
Daqui uns dias terei mais uma inspiração para minhas histórias.
O irmãozinho, Arthur, ainda não fala quase nada. De vez em
quando sai uma palavrinha em inglês para me complicar. Como
uma coruja, ele presta atenção e entende tudo! Arthur realmente faz
jus a seu nome de rei: fica o tempo todo no imperativo apontando
o dedinho e dando ordens.
Aguardem as cenas dos próximos capítulos!

 

Kennedy Pimenta 🌶