Os novos capatazes
A escravidão ainda mora nos corações e mentes de muitos de nós, tenhamos consciência disso, ou não.
À época em que negros e negras eram tratados como animais, pelos donos de terras e de gente, havia a figura do agregado, o negro a quem era permitido sentar-se à mesa como se fosse membro da família. Esse privilégio consentido dava uma ar de superioridade perante seus irmãos de cor. Esse agregado fazia o papel de vigilante atento aos interesses do senhorio e para manter o privilégio.
O tempo passou. A escravidão foi "abolida". Vieram os imigrantes, maioria de italianos, para o trabalho na indústria nascente, enquanto negros e negras eram jogados à própria sorte. Sem um mínimo de estudo e qualificação profissional, não teriam chances de trabalho na indústria que se instalava, consequentemente â qualidade de vida. Essa classe Geni, como diz a música de Chico, que todos podem cuspir, que é feita pra apanhar, tinha o seu oposto, a emergente classe média, branca, ocupando os melhores postos de trabalho. É essa classe branca, racista, que passa a exercer o papel de agregado, atenta aos interesses da elite e para manter privilégios. A classe média tem abaixo de si, na escala social, a sua Geni, para atirar pedras e se sentir superior, para compensar a inveja que tem da elite.
O tempo passa e chegamos aos dias atuais. A luta de classes passou por transformações. Temos agora a classe média alta, a média média, a baixa e os excluídos, esses últimos sendo a maioria de negros e negras. A classe média pode se dar ao luxo de ter a empregada doméstica, ou outros serviçais, para a tarefa do serviço pesado e ter tempo livre para o lazer e se qualificar para alçar novos postos mais bem remunerados. Tempo e recursos, também, para manter os filhos nas melhores escolas, sem a necessidade de trabalhar, para ajudar nas despesas da casa.
Na busca de bens escassos, os pobres também querem ascender socialmente. Nada mais justo. Mas falta-lhes condições. Sem acesso a boas escolas e tempo aos estudos, a disputa é desigual. Até que surja alguém que resolva defendê-los. Entra em cena um governante popular, com políticas de inclusão social. A classe média se vê ameaçada, com a possibilidade de ascensão dos pobres. A elite sabe que pode usar a classe média como massa de manobra, na defesa de seus interesses. E tem a grande mídia e seus prepostos sob controle. Se o governante popular ultrapassar a linha da qual ela não quer que ultrapasse, esta elite vai promover um golpe. Sabe que pode contar com seus capatazes, sempre de prontidão para irem às ruas, a classe média branca, racista, de verde amarelo, fingindo-se indignada com a corrupção, que para ela, só acontece na política nas empresas estatais. A corrupção da elite fica invisível, quando o golpe é financiado exatamente pelos endinheirados, para saquear o orçamento público e "comprar" estatais, como a Petrobras e outras a preço de banana. Ou às vezes, de graça.
Esta é a herança do sistema escravista, que continua internalizado em muitos de nós. Sem rompermos com o racismo racial e toda forma de racismo, seremos refém da elite do atraso.