Conversa de livros

Outro dia, acordei assustado. Ainda era madrugada, o céu estava escuro, nenhum latido ou miado nas redondezas. Assustei-me ao ouvir alguém conversando na sala da minha casa. Quem poderia ser àquela hora? A conversa corria animada, os assuntos pareciam pertinentes. Fui até lá, na ponta dos pés, antes de tomar qualquer providência, chamar a polícia, sei lá.

Não acendi as luzes, evitei fazer barulho, tomei cuidado, como se pisasse em ovos. Confesso que estava mais curioso do que receoso. Na sala, algumas falas eram exaltadas, porém amáveis. Eu ouvia atrás da porta. Os tagarelas insones falavam de tudo: de história, de arte, de política, de geografia, de viagens etc. Conversavam principalmente sobre educação, bibliotecas e leitura. Mencionavam autores, citavam nomes de escritores e escritoras, títulos de romances, de livros de contos, de poesia, crítica literária e história das literaturas. Quem conversa sobre essas coisas hoje em dia? Talvez nas faculdades, e olhe lá!

Resolvi entrar na sala e fiquei perplexo. Não era possível! Aquilo era incrível. Estaria eu sonhando? Nunca tinha presenciado algo assim, era um acontecimento inusitado: quem estava discutindo os temas mais importantes do momento eram os livros. Sim, debatiam tudo em alto nível, sem subterfúgios ou superficialidades. Assim que entrei, calaram-se — era inevitável, pois livros são reverentes, bem-educados e, embora não estivessem jogando conversa fora, interromperam o debate.

Faz um tempo que eu suspeitava desses diálogos. Desconfiava que acontecessem vez ou outra, à minha revelia, na sala de casa. Um ambiente tão rico e diversificado, culturalmente falando, como o daquelas estantes, mais cedo ou mais tarde renderia boas discussões e algumas excelentes confabulações. Falei que não queria causar constrangimentos, não tinha a intenção deliberada de interromper o papo, mas, se me permitissem, também gostaria de participar.

Um deles, um dos volumes mais antigos da estante, tomou a palavra e disse que eu era bem-vindo. Explicou-me que ali todos poderiam contribuir para a conversa, sendo também bem aceita a opção pelo silêncio. Disse que um dos assuntos da noite era o crescente descaso em relação aos livros e seu desprestígio cada vez maior por uma parcela da sociedade. Não era autodefesa nem corporativismo, mas preocupação com o futuro da própria humanidade. Alguns dos volumes citavam ataques constantes e o desestímulo à leitura de livros. Não se tratava de questões como mídias digitais e outros formatos, mas da negligência e do desprezo pelos livros em geral. Um deles comentou que o problema não era apenas a falta de leitura, mas as leituras superficiais, feitas exclusivamente nas redes sociais, que não contribuíam para a formação de leitores críticos.

Fui à cozinha preparar um lanche para a turma, afinal, logo amanheceria e seria bom que tomássemos um cafezinho antes de raiar o dia. Que sorte quando ainda se pode dar atenção aos livros!