VERDADE

É verdade que a verdade dói. Isso é quase um fato que se verifica na vida da maioria das pessoas. Ah, a agonia da desilusão… A realidade é uma fera, besta maligna que mastiga nossa sensibilidade e sentimentos. Muitas vezes, a realidade é insuportável; quem nunca chorou por ter criado suas fantasias, sonhos, desejos… E, de repente, um balde de água fria nos atinge no rosto, no meio do corredor? Não, você não é especial. Não, você não é bonito. De jeito nenhum, você não é o mais novo contratado, sempre há alguém que se encaixa melhor naquela vaga. Não, eu não quero namorar você. Não, ele só quer um relacionamento rápido, um prazer de uma noite, e não vai voltar. Não, ela não é fiel, seus pais não são santos e todo mundo pode te machucar um dia.

É assim? Infelizmente, não deixa de ser. Ou felizmente. Não é para ser depressivo ou amargurado; é fato. No entanto, podemos fazer considerações sobre isso. Por onde quer que se olhe, nunca se buscou tanto a verdade, embora pareça que nunca antes, estivemos tão perdidos. Em grande parte, tudo parece ser culpa da sociedade. Mas talvez seja essa uma culpa justificável? Até que ponto podemos aceitar sem refletir aquilo que a família, que a escola, o trabalho nos impõem? Não é à toa que nossa época, talvez, seja a geração das fake news: a verdade se diluiu em fatos cada vez mais absurdos, que um vídeo de Whatsapp ou de outro aplicativo tem mais valor do que uma reportagem, um livro ou fatos averiguados pela ciência.

A questão talvez gire em torno do que é o conceito de verdade. O que é a verdade? E o que é ilusão? Aprendemos, todos os dias, que a verdade são os fatos que nunca mudam. Um conceito muito vago, talvez; afinal, quem estuda as ciências da natureza sabe que poucas coisas são mais mutáveis do que ela. Veja bem: nada parece mais sólido e imutável do que uma parede, mas algo tão simples e fluido como a água é capaz de produzir um estrago em qualquer rochedo, montanha, encosta (e quem já teve infiltração em sua casa sabe disso muito bem…).

A questão é: nada é imutável, a não ser (talvez) a verdade. Mas ela não é estática; o mundo real evolui, flui (como a água). A verdade depende talvez da mais bela – escorregadia – das regras da natureza: a transformação. Mas, mesmo que as coisas se transformem, as regras por trás da mudança – essas permanecem. A água e seus três estados, por exemplo: sólido, gasoso e líquido. Como pode uma substância ser três coisas ao mesmo tempo? Simples: depende da ocasião e da situação. Como pode a pedra ser demolida pela água? As substâncias químicas e físicas do líquido reagem com as do sólido e provocam transformações. As regras, as leis físicas permanecem, o que justifica tal mudança.

Entender isso talvez seja a melhor forma de começar a despertar: por mais que a natureza, os fatos, o dia a dia fluam e pareçam estar no caos, há certas leis e regras que estão por trás de tudo. Temos a gravidade na física, as transformações das reações químicas, o movimento de rotações da Terra (só para citar fatos que já foram comprovados). São coisas com que, felizmente (ou infelizmente se você for negacionista) você precisa se acostumar. Há certas coisas que escapam do nosso controle, há planos que nunca vamos concretizar. Somos quem podemos ser, diz a música. O que não quer dizer que seremos sempre iguais nem insatisfeitos: as pequenas vitórias do dia a dia muitas vezes valem por uma grande derrota.

E mesmo uma derrota e uma vitória são conceitos relativos. Com o tempo, podemos perceber que uma derrota não era exatamente o que pensávamos: quantas soluções e planos desenvolvemos depois? Qual foi a força que desenvolvemos depois de enfrentar o mundo?

É óbvio que a verdade não deixará de ser menos dolorida por causa disso. Ela vai continuar a ser uma farpa que espeta a consciência, causando incômodo e sofrimento por muito tempo. Pessoas continuarão a nos decepcionar, o Uber continuará a chegar atrasado, a sociedade continuará a ser injusta e a favorecer as pessoas que ela quer. Mas, lembre-se: conhecendo as regras, é possível que o mundo real seja alterado, e ainda assim dentro da realidade (sem fake news). E não deixa de ser interessante, também, que entender e aceitar a verdade como ela é não significa simplesmente ser passivo, acomodar-se com tudo o que acontece. Esse conceito é tão amplo e fluido que se pode falar sobre ele um dia inteiro, e ainda assim não irá se esgotar (que o digam os filósofos que se debruçam sobre isso há alguns milênios). O mundo é injusto? Sim. É cruel? Sim. No entanto, isso não quer dizer que sempre terá de ser assim. Já foi dito por Heráclito que você nunca entra em um rio mais de duas vezes; você e o rio não serão mais os mesmos em outra ocasião. Há inúmeras injustiças na nossa sociedade, por exemplo, que podem ser mudadas (algumas de forma mais fácil, é claro). Podemos ser menos machistas. Eu posso ser mais atuante para ajudar aos mais pobres. Há os que acreditam na solidariedade, há os que lutam por seguridade social.

Em todo caso, lembre-se: sempre que alguém disser que a verdade dói, cuidado com a intenção que há por trás dessas palavras; essas podem ser as pessoas que mais sentirão a dor quando a realidade voltar para elas.