DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 42; Dia 43; Dia 44)
Dia 42
26 de setembro de 2026
Acho que posso dizer que estou meio decepcionado com os adversários políticos do presidente. Não fazem oposição aos seus devaneios.
Permanecem inertes!!!
Coniventes?
Soltaram várias notas contra suas aventuras, condenando seus atos, mas não mencionaram nenhuma atitude concreta para caracterizar uma postura de oposição.
Como sempre aconteceu, o presidente tem a todos nas mãos… ou no bolso?
Dá pra dizer que permanecemos com o mesmo estilo político do tempo da velha república: os deputados e os governadores só fazem oposição quando não recebem as devidas propinas ou não se acertam nas negociatas para satisfazer os interesses politiqueiros de ambos os lados. E assim a oposição acaba virando moeda de troca.
É só abrir o cofre que se fecham todas as oposições.
Nos noticiários até se agridem e falam que o outro está ferindo a democracia.
Que o outro está cometendo erros graves contra os direitos e as leis e isto e aquilo.
Quem os ouve pensa que são inimigos mortais.
Mas terminadas as entrevistas e na calada da noite todos se prostituem com aquilo que deveria ser revertido em bem estar para o povo.
Aquilo que propõe a teoria sócio-política, anunciando um Estado do Bem Estar Social, aqui se converte em um “Status para meu bem estar”.
E na calada da noite, oposição e situação, os donos do poder, sabem que pintou um clima e levam as menininhas das ruas para seus apartamentos funcionais, alimentando além da orgia com o dinheiro público a devassidão com as menores fragilizadas.
A devassidão, com o dinheiro público; o descompromisso para com o pessoas; as péssimas condições em que trabalham os profissionais da saúde; o desastre que é o sistema escolar… tudo depõe contra as instituições que deveriam nos defender; contra o sistema que produz a morte; contra aqueles que foram eleitos pelo povo, com o dever legal de agir pelo povo, e se tornaram sanguessugas instalados no coração do sistema.
Ah! Esse sistema!!!
Mas também depõe contra a sociedade que poderia se mobilizar contra isso tudo, mas prefere se esconder atrás de uma cortina de reclamações… Brasil afora a voz corrente é de reclamação, de indignação… mas não se dá o passo seguinte em busca de alternativas… num processo de revolução!
Quando comento essas coisas com minha vizinha, percebo que ela também alimenta um sentimento de revolta e impotência vendo o país afundando e sem poderes para salvá-lo.
Ela até fala no poder o voto, mas só para dizer que as eleições nada mais são do que uma forma legalizada que os bandidos usam para se legitimar no poder. Os “Podres poderes” como cantou o Caetano...
Dia 43
27 de setembro de 2026
O vírus se espalhou.
De situação crítica se fez alarmante e virou pandemia.
A pandemia se instalou no país.
Começou com apenas um caso.
Mas se alastrou como fogo pequeno que cresce na palha seca.
E agora, a labareda assusta!
Meu produto destinava-se aos frequentadores dos aeroportos.
E só teve repercussão mundial porque os atingiu.
Não se destinava às favelas e às periferias.
Os pobres não são manchetes a não ser quando prejudicam os planos dos donos do poder. “Enquanto os homens exercem seus podres poderes”.
Pobre só vira notícia quando está envolvido em tragédia.
Mas os ricos sempre são notícia.
Não por outra coisa, mas poque tem muito pobre que sonha ser como o rico: “lambari com cabeça de tubarão”.
Pelo mal que semeiam ou por algum bem que eventualmente realizam, os ricos são notícia.
Por isso destinei a eles meu produto.
Só assim ele seria notado e distribuído.
A partir das elites, meu produto está produzindo o efeito para o qual foi criado: Limpar nosso mundo!
Como manchete mundial, meu produto está fazendo com que muitas pessoas repensem e reconsiderem seus valores. Todos os que vivem pelas ruas e campos e salas e escritórios e fabricas, atarefados em produzir e vender e acumular mais e mais… perceberam que a ambição desenfreada não leva a nada. Ou, leva, quem sabe, a uma morte premura por enfarto ou stress ou depressão…
O foto é que não adianta ter sem ser!!!
Quando todos se viram obrigados a se trancar em suas casas, como os hebreus no Egito antigo, apavorados esperando passagem do anjo da morte, nosso povo se deu conta de que seus valores nada valem.
Que adianta a roupa cara, se não pode ser ostentada na reunião de amigos?
Que adianta o carrão importado, se não pode ser visto pelas ruas, impressionando os invejosos?
Que adianta a indústria produzir em larga escala, com curto prazo de validade, se não tem para quem vender?
Tinha razão Raul Seixas, quando contou “O dia em que a terra parou”. Não foram poucas as vezes que, dedilhando o violão, cantei seus versos:
“O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá
E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão, também não tava lá
e o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar”
Como sempre, o velho Raul estava certo.
Vamos cantar enquanto outros morrem, para que outros possam cantar quando morrermos…
Minha vizinha também está correta: o mundo ficou doente.
Dia 44
28 de setembro de 2026
Já passa da meia noite.
Acabei de chegar da casa da vizinha.
Só agora vou fazer minhas anotações neste diário pra não ser lido.
Se alguém o ler sofrerá um ataque do coração.
Quem poderia imaginar que nos confins do mundo, de um lugar chamado Brasil, alguém poderia conceber um plano desta natureza? Quem poderia imaginar que nos confins de Rondônia alguém possuiria as condições para executar semelhante plano de assepsia planetária?
E se alguém imaginasse isso, com certeza seria chamado de louco!
Louco por imaginar que alguém pudesse ser louco ao ponto de planejar isso.
E mais louco ainda por pensar que existisse um louco para executar o plano.
E, mais ainda, teria certeza de que alguém, para executar tal plano, realmente é um louco.
“Mas louco é quem me diz, que não é feliz. Eu sou feliz”, diz a música.
Mas não é nada disso!
Não é loucura, é sanidade.
Trata-se, apenas, de alguém que entende de saúde pública, cansado de tentar colocar um curativo num organismo adoecido, tomado pela lepra; trata-se de alguém que tenta aplicar um medicamento radical, para eliminar a raiz do problema: o ser humano.
É radical, mas não definitivo.
Meu produto não se destina a acabar com a espécie humana.
Pretende apenas diminuir seu peso sobre o planeta.
E isso não só porque nosso mundo está matando o planeta, mas porque deste mundo gangrenado, pode-se amputar a parte necrosada e tentar salvar a parte sã.
Mas isso só se nosso mundo reavaliar os valores atuais.
Não podemos continuar num mundo em que os eleitores decidem votar num candidato que usa um aspirador de pó como simbolo de sua campanha presidencial, dizendo que vai acabar com a corrupção.
Como alguém pode acreditar em um candidato que diz um monte de asneiras e sai por aí afirmando que pretende fazer limpeza no país, como uma dona de casa aspirando a sujeira das residências? E grita nos comícios, para os tolos ouvirem: “Minha arma é meu aspirador”, esbraveja, brandindo o aspirador de pó!
O outro, que usou a vassourinha, também era meio… sei lá, tantã!
Depois viram que ele não suportaria a pressão.
E não aguentou.
Largou a vassoura e abandonou o povo; depois o país e o povo pagaram a conta.
A sujeira varreu a vassoura.
Em nosso caso, a poeira engoliu o aspirador.
E tudo continua como antes, por baixo do tapete.
Aquele saiu de fininho e deixou o povo na mão.
E este, como sairá?
Não dá pra sair voando num aspirador do pó! Aspirador não é vassoura!
Quem vai limpar a poeira da sujeira do aspirador?