O homem ao lado
Estou na fila do pão. Há ao meu lado um homem de sorriso não identificado. Está em pé, parado, mas com uma das pernas em movimento constante. Parece ansioso e com pressa. Até aí, tudo normal. Não encontrei, ainda, e penso que tardarei a encontrar alguém que se disponha a encarar, bem-disposto, sereno e sorridente, fila, ainda que seja fila do pão.
Sua aparente ansiedade e pressa, no entanto, não me chamaram a atenção tanto quanto um detalhe particular: o fato de o homem ao meu lado insinuar querer o meu lugar na fila. Ora, cheguei antes dele. Por direito, desde que não fosse um caso comum ou raro de prioridade, o terceiro lugar na fila do pão deveria ser destinado a mim. Afinal, eu também pago impostos...
Então o homem ao meu lado foi aproximando-se, dando uns passinhos curtos à minha frente, como quem não quer nada; olhou-me de soslaio, depois frontalmente, e me fez esta pergunta inusitada para os padrões atuais:
— Que horas é?
Fiquei surpreso com a pergunta, porque tenho por hábito e intensão deliberados não usar relógio. Portanto, como ele saberia que eu saberia que horas são?
Mas aí eu verifiquei que ando, tal qual quase todo cidadão urbano minimamente urbanizado, ando ostensivamente com celular escandaloso no bolso. Visivelmente visível até para bêbados grau cinco. Após essa breve ponderação, a pergunta, a princípio inusitada para os padrões atuais, passou à categoria das perguntas razoáveis.
Desarmado, acalmei o coração, retirei o celular do bolso e informei-lhe as horas, nos mínimos detalhes e na forma da lei:
— São cinco horas, quarenta e cinco minutos e cinco segundos.
O homem espantou-se:
— Mas já!!!
Eu sorri-lhe, como quem já adivinhara o que aquele homem a meu lado diria logo após lhe revelar as horas. Conheço essa sensação de estar sempre atrasado em relação ao tempo. Não sou adivinho, mas admito que conheço alguns clichês, inclusive esse sobre a percepção da passagem do tempo e de que estamos em constante desvantagem no que diz respeito à sua fruição.
— O senhor não quer passar à minha frente?
O homem ao meu lado na fila do pão devolveu-me a pergunta com outra pergunta:
— Você deixa???
Retribuí com afirmação:
— Hoje sim. Hoje espera.