QUANDO O AMOR VIRA NADA
Todo amor, por mais amor que seja, tem seus reveses com dias nublados
Fica ranzinza, rosna, despenteia seus poros, só entristece
Aquele amor, outrora viril, dono do chão, rei das marés, frangalha, capenga
Seus donos então se estranham, se trombam, ecoam em margens opostas
Esquecem do quanto cerziram e arremataram juntos, que nada
Esquecem do tanto que trocaram suores, que nada
Esquecem de tudo que não era pra esquecer
Então o desamor se espalha feito praga letal
Então as criaturas jogam longe cada cheiro do seu coração
Ficam trastes fétidos, esquisitos e tristes, tão tristes, só tristes
Mas mesmo embebidos nas garras do desacordo, algo perdura
Um fiapo do lindo de outrora resiste num canto qualquer
Fica escondido, calado, com medo de respirar
Pois dentro de si guarda a essência que virou pó, virou lixo
Aquela poção mágica traria de novo a luz, de novo o sabor
Traria de novo o que foi tão bom e gostoso certa vez, lembra?
Mas o tempo, cruel, malvado, traiçoeiro, não descansa até esmagar de vez
Fará o diabo pra descobrir o paradeiro daquela sobra de amor
Pra levar aos estilhaços cada parte da sua pele, do seu caminhar
De longe, Deus só observa, quieto como Deus só
Nada faz, pois os homens que tratem de suas mazelas, dos seus desafinos
Assim fica, tempos a fio, numa quietude sem par
Sem saudade daquele amor que já não ecoa mais
Daquele amor lépido, de passos altivos, de face rosada
Que agora é só deserto, só ferrugem, só nada