A noiva mentirosa
Quando criança na década de 1960, fequentava uma igreja evangélica com minha família na cidade onde morávamos. Eu e meus irmãos éramos crianças com menos de 10 anos, mas na igreja convivíamos com outras famílias que já tinham filhos adolescente. Minha família mudou-se para outra cidade, porém, mantivemos amizade com os antigos companheiros. O tempo passou e duas daquelas famílias, que tinham filhos adolescentes, agora já tinham jovens; era final da década de 1970. Soubemos que um dos jovens da família 1 estava namorando uma jovem da família 2, ficamos contentes.
O namoro amadureceu, tornou-se noivado e, finalmente chegou o grande dia do casamento. Após a festa, os nubentes partiram para a sonhada “lua de mel”. Três dias depois, os nubentes estavam de volta; apresentavam uma tristeza imensa, o rapaz totalmente disposto a desfazer o enlace, o que acabou acontecendo. Suas alegações eram que na “lua de mel”, decobriu que a noiva o havia enganado dizendo que era virgem, no entanto, na hora H, ficou revelado que a mesma havia mentido. Já estivera em outros braços, em outra cama, em outro quarto com alguém que lhe havia rompido o hímen. O segredo permaneceu intacto até a “fatídica” noite de núpcias. O machismo da época, que era ainda maior que o de nossos dias, incentivava essa atitude, sobretudo numa sociedade “conservadora” como era o caso daqueles paroquianos.
Na Bíblia Sagrada, pretenso livro de fé e prática dos evangélicos, tem uma referência à igreja cristã, que o próprio Jesus Cristo estava iniciando após ter sido batizado por João Batista. O mesmo João Batista se refere ao “novo movimento” como se fosse uma “noiva” e Jesus Cristo, seu “noivo” sendo ele, João, apenas “amigo do noivo” (João 3. 29).
Com base nesta passagem, muitos pregadores insistem em figurar a igreja como se fosse uma noiva - a “noiva de Jesus Cristo”.
É certo que noivos apaixonados aguardam ansiosamente o momento de estarem juntos, vivendo toda intimidade comum aos casais, sem medos ou culpas, afinal, venceram uma etapa da vida e estão iniciando outra que, nas cerimônias religiosas cristãs, promete-se que será até que “a morte os separe”; trata-se de um compromisso e tanto que quando rompido, vem com traumas para todos as partes, pior ainda se filhos foram gerados.
Se a igreja cristã é a noiva de Cristo, como ele a está vendo nestes tempos horrorosos, quando a mesma tem sido retirada de sua caminhada pacífica e pacifista, e levada a empunhar bandeiras partidárias que convidam ao embate?
Malandros maldosos se fizeram seus líderes e a sequestraram levarando-a aos seus aposentos. Deram-lhe bebidas fortes e a noiva embriagada já não é senhora de seus atos. Tivesse o controle de suas vontades, não permitiria dedos levantados como se arma fosse, não faria ouvidos moucos aos que choram seus mortos por causas evitáveis, não menosprezaria médico que lhe apresenta um remédio eficiente, mas entope seu corpo com as pílulas dos charlatões, não teria seus sacerdotes obrigando seus membros a atuar em prol de réus como se tivessem moral ilibada, não chamaria um mortal de conduta claudicante em todos as áreas que atuou de “escolhido de deus”.
Seus tutores a tratam como se fossem rufiões e seus aproveitadores como clientes ansiosos no decurso de uma aventura fortuíta; a noiva, em plena carraspana mal reage. Foi por isso que abriu suas portas para uma tutora perturbada que trouxe palavras reveladoras de si, visto que seu super-ego não foi forte o suficiente para filtrar recalques lá escondidos e seu ego inflado vociferou, como verdadeiros, fatos improváveis. Parece que se trata de seus desejos inconfessáveis transferidos para crianças inexistentes de uma ilha distante da maioria do povo.
A noiva bolada não reage. Se comporta como aquela figura de Ezequiel 23.20. Enlouquecida, “enamorou-se de seus amantes, cujos membros são descomunais”.
Que tal estaria o hímen desta noiva delirante a essas alturas de sua paranóia?
O que dirá quando o noivo a chamar; a noiva vai se redimir ou vai mentir?
Raul – 10/2022