Um amigão
1. Saiu nos jornais uma extensa matéria com este título: "Rainha Elizabeth teve mais de 30 cães da raça corgi ao longo da sua vida". Seu primeiro corgi, Susan, ela ganhou em 1944 quando completou 18 anos de idade, diz a matéria. Seu último cão, o Willow, morreu em 2018, ano em que a monarca festejou seus 90 anos de vida. Por que foi o último, conto ainda nesta crônica.
2. Elizabeth II chegou aos 96 anos parecendo em boa forma. Como a confirmar sua amizade pelos seus cachorros de extimação, a partir dos seus 90, resolveu não mais adotá-los. E alegou: "para não deixá-los órfãos, após sua morte". Deve ter sido uma decisão sofrida. Sabe-se que os cãezinhos eram íntimos da Rainha. Chegavam a frequentar os aposentos mais escondidos da soberana, no Palácio de Buckingham. Um detalhe: o Príncipe, seu marido, não gostava de cachorros; alegava que eles o incomodavam com tanto latido.
3. Uma curiosidade. A jornalista Lívia Marra, da "Folha de São Paulo", autora da matéria, diz que Brian Hoye, o escritor que cuida dos animais de estimação da realeza, no seu livro "Pets by Royal Appointmente", sugere que Elizabeth II "preferia a companhia de animais à de humanos. Até onde me lembro, a soberana dos ingleses não deixava transparecer esse amor todo pelos caninos. Nunca a vi brincando com cachorros nos jardins dos seus palácios.
4. Lendo essa estranha informação, recordei-me dos conhecidos versos do poeta Belmiro Braga: "Pela estrada da vida subi morros, / desci ladeiras e, afinal, te digo: / se entre os amigos encontrei cachorros,/ entre os cachorros encontrei-te, amigo. E por falar em cachorro amigo, passo a lhe contar, amada leitora, querido leitor, a história de um Dobermann que enquanto viveu foi meu amigão. Um cachorro elegante, corajoso, valente, um verdadeiro cão de guarda.
5. O Dobermann é um cachorro desenvolvido na Alemanha por um senhor chamado Karl Fridrich Louis Doubermann. Tem este perfil: é inteligente, leal, alerta, destemido e confiante, me disse o Google. Meu Dobermann era assim , sem tirar nem pôr. O interessante é que meus filhos são doidos por cachorros, eu, nem tanto. Quando moravam comigo, dei-lhes cães das mais variadas raças. Não sei explicar, mas pelo meu Dobermann apaixonei-me.
6. Nunca contei como meu Dobermann morreu. Fa-lo-ei a seguir. Mas contar a história da morte de um cachorro? Não é perda de tempo? A quem interessa, além do seu dono? Pra este cronista, a morte do seu Dobermann deve ser contada. Afeiçoei-me a ele como o saudoso escritor Carlos Heitor Cony por sua cadela Mila e o inesquecível Graciliano Ramos por sua cachorrinha Baleia. Quem não se interessar, tem toda minha permissão para deletár minha crônica.
7. Meu Dobermann morreu numa segunda-feira de carnaval. Encontrei-o sem vida no meu quintal por volta das três da tarde. O carnaval? O de Salvador. Assuntem: não era um carnaval como o das ilhas gregas. Era o carnaval da capital baiana, um furdunço só. Aqui em Salvador, no carnaval, ou se cai na folia ou se vai para uma casa de retiro ou fecha a porta de sua casa durante sete dias. É uma loucura!
8. Conseguindo driblar a fuzarka, com a ajuda de um jardineiro encontrado por acaso, enterrei meu Dobermann em um local distante de Momo, que já percorria as avenidas da cidade. Um local um tanto incoveniente. Enterrei-o numa cova rasa no caminho do aeroporto de Salvador. Resultado, até hoje, volvidas várias décadas, quando vou ao aeroporto. passo ao lado da sepultura do meu Dobermann, meu amigão.
9. Disse lá em cima que não sou apaixonado por cachorros, sejam os vira-latas, sejam os de raça. Mas, nem por isso, deixo de admirá-los. Principalmente velhos rafeiros, cães peduros, que povoam os terreiros dos casebres do sertão. Sertanejo do Ceará, conheci vira-latas que resistiam, com heroismo, as malditas secas nordestinas sem abandonarem a casa e a roça esturricadas dos seus donos. Morriam de fome, mas não abandonavam seu querido torrão.