Vida pisa devagar
Não sei se é normal, mas toda vez que penso na fragilidade da vida me vem a presença de uma criança chorando. Para mim, a fragilidade da vida está materializada no choro de nossas crianças, ou no dos nossos velhos. O choro dos nossos velhos também me causa essa impressão: tal qual o choro de criança, é choro cheio de lágrimas, ofegante, no qual cada respiração pode ser a última.
Em suas "Memórias", Bertrand Russell fala daquilo que, segundo ele, faz com que a vida valha a pena ser vivida: - a procura do saber; - a busca do amor; - a empatia com aqueles que sofrem. Eu acrescentaria a essa lista o direito à infância, nosso pote de ouro no fim do arco-íris imaginário. A infância é sagrada e será, no decurso da vida, nosso reduto, nosso antídoto para enfrentarmos com altivez e destemor nossos conflitos pessoais ou armamentistas; lugar agradável e de permanente visita, que, quando a vida pedir pressa, declamará Belchior e dirá:
"Vida pisa devagar.
Meu coração, cuidado, é frágil."
Hoje, 12 de outubro, como ocorre anual e literalmente nesta data, é comemorado o dia das crianças, e a pergunta que me faço retoricamente é sempre a mesma: "Quais crianças?". Não vejo criança há tantas décadas que já quase nem sei como são, o que comem, onde vivem...
Ontem, para a minha surpresa, encontrei uma, de uns 10 anos. Ela estava se deslocando de Van de um ponto A para um ponto B. Sentada no colo da mãe, à janela escancaradamente aberta, com um pacote de biscoitos Treloso à mão, fazendo regulares perguntas. Queria saber se iam ver o vovô; se já estavam chegando; se o motorista poderia para a Van para ela ver o boi...
A mãe, coitada, tentava convencê-la que largasse as perguntas e comesse os biscoitos. A criança permaneceu reticente, insistindo em saber se ainda faltava muito para chegar. E foi então que a mãe lhe pegou o pacote de biscoitos das mãos e, fazendo um estrondo enorme, abriu-o, tirou um exemplar e comeu.
A criança, sentindo-se subtraída, não gostou do delito que sofreu. Olhou a mãe com olhar de reprovação e requisitou a repatriação dos biscoitos. A criança sentiu-se talvez humilhada. Botou-se a chorar. A mãe se compadeceu, e mãe sendo mãe os biscoitos lhe devolveu; por fim lhe sorriu. A criança então cessou o choro, comeu um biscoito e voltou a perguntar à mãe se ainda faltava muito para chegar.