QUARTO 301
Trovoadas rasgando o céu e as nuvens chorando as suas dores. Finalmente chuva no cerrado goianiense! Tem um ramo de Dracaena Reflexa me espiando pela janela do quarto, e eu a olho de volta enquanto estou deitada confortavelmente sobre minha cama ouvindo a chuva cantar pra mim e silenciar minha mente barulhenta...
Veio em minha memória uma passagem de Assim Falava Zaratustra, que diz: “Você tem que estar preparado para se queimar em sua própria chama: como se renovar sem primeiro se tornar cinzas?” Isso me remeteu a uma profunda angústia que me consumia por dentro como um câncer em estágio terminal e a busca por tratamento me levou para minha segunda viagem solo em menos de um ano, mas desta vez, sem agência de turismo pra me apoiar, tive medo, mas fui com medo mesmo assim. Desembarquei na madrugada de Porto Alegre para o meu reencontro.
Quando o sol acordou, ele estava tímido e se escondia atrás do céu cinzento, isso não impediu que eu saísse para passear pelo centro histórico, almoçar em um restaurante tendo a vista da cidade, mergulhar nas histórias de Mário Quintana, visitar museus, ir ao cinema, assistir ao show do Humberto Gessinger, fazer uma caminhada no Parque Farroupilha e também produzir toda a filmagem fotográfica desse filme de mim mesma... tudo isso no meu próprio passo, no meu ritmo, no meu próprio tempo! E sentir o vento frio acariciando o meu rosto enquanto contemplava o Rio Guaíba foi um chocolate quente pra minha alma! Investi um bom tempo apreciando o crepúsculo tocando a água no horizonte.
Precisei ter momentos de completa solitude para perceber que estava conseguindo respirar fundo e que minhas costelas não doíam mais, o incômodo de antes sumira! Fiquei na ponta dos pés, com olhos fechados e inspirei o mais fundo que conseguia e soltava o ar lentamente, fiz isso várias vezes até acreditar que não estava sonhando. Com a oxigenação sanguínea em mais de 98%, os meus olhos tiveram um brilho novo! Eu renasci. Assumi o controle da minha existência. Encontrei as respostas que há tanto buscava. Liberei “espaço de armazenamento interno” para me preencher com novas memórias.
Em mim, germinou o amor próprio que estava em desuso e com um sorriso no rosto e bom humor igual ao Kikito, posso celebrar a liberdade de ser totalmente EU. O que eu quero dizer não cabe na minha boca! Porto Alegre-se!
Sou flores perfumadas. Um dia ensolarado. Sou rio que deságua no mar. Um céu estrelado. Sou a inocência de uma criança. Uma página em branco. Sou um pássaro que voa. Um acorde de uma canção. Sou uma dança. Uma poesia!