A insensibilidade do ser velho
Depois de velho a gente aprende ou desaprende?
Alguns dizem que a gente começa a desaprender gradativamente tudo o que sabia e que levou quase uma vida inteira aprendendo. Digo quase, porque, a partir de uma certa idade, tudo começa a ficar muito relativo. O que Einstein descobriu aos 26 anos de idade, nós, simples mortais, descobrimos depois dos 60.
Na verdade eu comecei a desaprender um tanto de coisas e aprender outras na mesma proporção.
Desaprendi a cruzar as pernas, pois os joelhos já não me permitem.
Quando somos jovens é a cabeça e o coração que manda em nós, porém, quando envelhecemos, o corpo, soberano, passa a comandar, independente dos demais. Uma soberania ampla e irrestrita que manda o coração pastar e a cabeça sossegar, pois descobri que, depois dos sessenta, a anotomia endoidece.
Uma amiga de trabalho um dia me falou que sua mãe quase não falava mais e vivia sempre muito calada. Não tinha alzheimer nem parkinson, cuidava-se direitinho, alimentava-se, ajudava na casa, pois vivia com ela, a filha, o genro e os netos e também havia outras pessoas da família com quem tinha contato frequente, simplesmente optara por viver mais em silêncio. Ouvi isso há muito tempo e, à época, não soube o que dizer, entretanto, intrigada, nunca esqueci aquela história. Quando eu trouxe aquela conversa novamente à memória eu entendi o que acontecia com aquela senhora que nunca cheguei a conhecer, pois aprendi a falar menos porque as pessoas não querem ouvir e desaprendi de correr e, em vez disso, a andar devagar. Porque a vida não me ensinou isso antes e quando era jovem não estava interessada em marcar o passo e até achava que podia ensinar quem quisesse sair correndo vida a fora.
Aprendi a ser Pontual com o médico, com os remédios, a dormir menos, a comer melhor quando isso já não faz muita diferença. Cenouras, beterrabas, alface, mamão, ameixa, couve…
Também aprendi a ter paciência e a desejar que os anos demorem a passar porque já não tenho pressa de chegar a lugar algum, gostaria, na verdade, que ele não passasse para que eu tenha tempo de continuar vendo as coisas da vida em meu próprio ritmo.
Aprendi que ser velho é viver desfilando para dentro de mim mesma e ao mesmo tempo rebelar-me contra a ditadura do corpo.
Que a paz de espírito é tudo de que preciso agora. Desaprendi a ouvir o que não me interessa e desaprendi de falar sobre assuntos que dizem respeito somente a vida alheia.
Aprendi a carregar menos bagagem e que nenhum lugar é longe o bastante, porque gostaria de ir, devagar e sempre, até o fim do mundo.
E em tenra idade a gente acha que se manda, ledo engano!
Aprendi a não dar mais opinião publicamente e a preferir ser feliz do que ter razão.
A não falar dos males do meu corpo pois ninguém tem o mesmo conhecimento que eu sobre minhas próprias doenças, exceto o meu médico. E olha lá!
Tomei gosto por ouvir música em som baixo porque, a vida inteira trabalhei em meio ao barulho, e hoje só vou onde tem lugar para sentar e comida boa para degustar.
Desaprendi a dar conselhos que ninguém quer ouvir.
Aprendi a esquecer tudo o que não me parece importante e me tornei distraída de propósito. Aprendi, acima de tudo, a respeitar as diferenças, todas, sem exceção.
Aprendi a ser leve e deixar que a vida me leve em vez de carregá-la às costas.
Já não me ofendo com ninharias e aprendi a dominar meus demônios.
Também aprendi a esquecer os vendavais e descobri que tudo passa, sim, tudo passa.
Desaprendi a perder o sono por o que quer que seja e com o passar do tempo aprendi até o que não queria.
Aprendi a colecionar novos amigos, novos lugares, novos ares e a deixar pra lá aqueles que não valem a pena.
Hoje minhas estantes são rotativas, deixaram de ser estáticas, só leio o que me agrada.
Desaprendi a fazer suposições e aprendi a ponderar quando descobri que os pensamentos podem ser controlados e que isso faz muito bem à lìngua.
Porém quais pensamentos ainda teriam tempo de ser pensados neste mundo louco, dentro do pouco tempo que me resta?
Não sei. Apesar das dores e manias que me acompanham,
ainda busco uma promessa de vida qualquer e continuo vivendo entre o agora e o depois uma infinita quantidade de tempo que procuro aproveitar, apesar de que, às vezes, não sei o que fazer com ele. Aprendi a aceitar o fato que esse danado é imparável e que não adianta jogar corrida com ele, a gente jamais ganha.