Meu amigo triste
Tenho um amigo triste, que desconhece ser triste, mas que todos que o conhecem temos a plena convicção de que, sim, ele é um cara triste, mas que cuja amizade é motivo de alegria para mim.
Esse meu amigo triste destaca-se entre os demais amigos que tenho, em sua maioria gente normal, otimista e chata, como é de regra entre as pessoas normais. O motivo de lhe ter toda essa afeição deve-se ao fato de esse meu amigo triste ter como principal atributo uma concepção de mundo que faz com que as pessoas normais o evitem.
Não, ele não é dado ao canibalismo. Também não tem dinheiro suficiente para comprar 51 imóveis em "dinheiro vivo", tampouco defende os valores da família tradicional.
Graças a Deus ou ao "Aleluia, irmão!", como costuma expressar-se em dialeto religioso, esse meu amigo triste é apenas um cara triste, cristão quando conveniente, ateu declarado, refratário aos bons costumes e recentemente defensor do minimalismo.
É um cara alegre e legal, esse meu amigo triste, que ultimamente tem-se ocupado em ficar o máximo de tempo desocupado. Para tanto, passou a praticar o minimalismo. Seu lema antes era o "Quanto mais, melhor"; agora é o "Menos é mais". De modo que sua primeira atitude diante da nova concepção de mundo foi desfazer-se da televisão, o que lhe devolveu um terço do dia para não fazer nada. Depois foi a vez de desapegar-se do fumo, do carro, do celular, das redes sociais, do Tinder e, finalmente, divorciar-se de um casamento de vinte anos.
Deixou a classe média, da qual declara nunca ter feito parte. Agora deseja encontra o "seu espaço", que desconhece onde se localiza. Tem dois terços do dia para dedicar-se a isto: à sua ética, que consiste em aproveitar a vida de seu modo, longe de certas prescrições médicas, do horário televisivo ou comercial, da rotina de um casamento de vinte anos.
Reencontro-o, sentado, inquisitivo, calvo e altivo, neste banco de praça. Rejuvenesceu bastante desde a última vez em que nos vimos, há cerca de dez anos. Nem parece meu amigo triste. Parece mais um cara normal, como qualquer outro cara normal, casado, defensor da pátria, da família, do modernismo. Penso que largar o fumo, a televisão, o carro, o celular, o casamento de vinte anos, os bons costumes, os valores da família tradicional lhe fizeram bem.
Efetivamente, se o minimalismo não torna as pessoas menos tristes, pelo menos serve como excelente disfarce.