Fechou a loja e passou na confeitaria.
Ali sempre aparecem jovens, exibindo luxo, riqueza e sabedoria, outras nem tanto.
São tantas pessoas que marcam presença na Confeitaria da Rua Rio Branco...
Velhos, e gente de meia-idade com ar de intelectual fecham grandes negócios em diálogos quase sussurrados, enquanto tomam o chá das dezessete e trinta.
Sozinha na mesa, a moça contempla enormes prateleiras que guardam a beleza das taças de cristal bordadas em ouro.
De repente, o olhar contemplativo é transportado para o celular que toca, e ao mesmo tempo, vibra insistente.
Atende.
Do outro lado da linha, a voz suave de um interlocutor não lhe permitia falar.
— Não nos encontraremos mais no primeiro vagão, naquele horário da manhã — respirou fundo e disse pausadamente — logo mais estarei na Confeitaria. Precisamos conversar pessoalmente.
— Não pode ser por telefone?
— Não. Palavras por si só não bastam. É preciso ler nos olhos o que está escrito na alma.
— Romântico, mas não muito claro. Parece que ouço a voz nascida no delírio do estro poético de um profeta.
— Nem poeta, nem profeta. Sou apenas uma alma solitária, tentando decifrar a voz do vento.
—Bons ventos o tragam. Mas não demores muito. Não tenho hábito de chegar tarde em casa.
— Vejo-te logo mais, então.
As palavras de Nathalie ainda ressoavam na memória de Fernão: “Vá de táxi”. Outros pensamentos invadiam sua mente: “Nathalie deve estar nos braços de Hemor.” E julgou mais prudente empreender nova conquista, do que disputar o amor de Nathalie com o aviador.
A conversa na confeitaria pareceu não atingir os bons propósitos de dois jovens enamorados.
Faltava assunto.
Emocionalmente perturbado, Fernão olhava em Ravenala e via nela Nathalie nos braços do aviador. E mergulhou em imagens confusas de um passado recente que ainda o torturava.
Conversaram vagamente sobre o incidente na estação, quando o pé da moça ficara preso entre o vão da plataforma e o trem. Ele teve vontade de falar sobre um homem traído, e o homem era ele, Fernão. Mas não se atreveu. Sabia que a pergunta era óbvia: “Separado e divorciado?” Qualquer informação sobre seu passado poderia vir a dificultar um relacionamento ainda no estágio de primeiros flertes.
Tomaram chá e se despediram, Fernão tocou o queixo dela, suavemente, com a ponta dos dedos e fitou-lhe rosto moreno, delineado por lisos cabelos negros. Fixou o olhar por alguma fração de segundos nos lábios, formado pelo arco do cupido divinamente desenhado, dando à moça um ar sério e ao mesmo tempo, angelical. Sobre os cabelos, uma rosa guardava harmonia com as vestes e o batom. Beijou-a na face. Ela retribuiu com um beijo mais ousado.
Fernão dissimulou.
Tentou mostrar-se emocionado, mas não sabia se estava fortemente afetado pelo efeito da dose dupla de antipsicótico que tomara, ou enciumado com as imagens que fazia de sua mulher nos braços de Hemor.
Olhou-a demoradamente.
A moça tinha sorriso doce e a voz soava como guizos de natal. Ele não sabia muito sobre Ravenala, nem mesmo que figurava nos registros da memória dela um casamento que não aconteceu. Foi cauteloso, jamais fizera a ela um convite direto para conhecer o apartamento dele.
Em casa, ele avaliava: “Devemos falar não apenas com os lábios. Em determinadas situações, o olho no olho diz mais que mil palavras.”
E considerou proveitoso, o encontro.
A partir de então, amiudaram-se os encontros na confeitaria, bares e restaurantes do Rio de Janeiro. Até que, certa vez, desceu em frente ao prédio em que morava: “Volto logo, só vou pegar um chaveiro de memória... Se não se incomodar com a bagunça, suba! Deves imaginar como vive um homem sozinho em casa.”
Ravenala subiu mais pela curiosidade de saber como é o apartamento de um homem que mora sozinho em casa.
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."
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