POLITICAMENTE CHATOS

Meses atrás acompanhei na mídia as notícias sobre a polêmica em torno das canções de Chico Buarque, que tirou "Com açúcar e com afeto" de seu repertório, devido ao seu cunho considerado machista: a tal história da mulher submissa que recebe o marido com comida e beijos quando ele volta das noitadas. Trata-se de uma revisão por parte dos politicamente corretos (ou seria politicamente chatos?), que entre outras já implicou com a marchinha carnavalesca "Olha a cabeleireira do Zezé", por suposto preconceito contra os gays (os quais, é preciso que se diga, eu respeito e admiro).

Sem me atrever a entrar na polêmica, mas por que não revisar a qualidade - ou a falta dela - das músicas atuais, os hits que muita gente canta e rebola, mas cujo tema muitas vezes é a banalização do sexo e da mulher como um mero objeto sexual? Nem vou entrar no terreno da moderna música gaúcha pra não lembrar de uma "pérola" nem tão recente assim: "Não chora, minha china véia, não chora! Me desculpe se eu te esfolei com minhas espora!" (pelo menos o malandro do Chico não batia na esposa...)

Não se trata de puritanismo, que não sou puritano, mas de um olhar crítico sobre o que se está escrevendo (?) e cantando por aí. O engraçado é que esse tipo de conteúdo ninguém pensa em revisar. Talvez daqui há uns 40 anos, caso a humanidade sobreviva ao vírus de tocaia e ao mau gosto.

Aprecio bastante o Chico Buarque compositor em contraste ao Chico Buarque escritor - como romancista, na minha humilde opinião, Buarque quis dar uma de escritor culto e só se tornou chato. Mas isso é minha opinião pessoal.

Como compositor, Chico Buarque retratou como ninguém a alma feminina e os tempos nefastos da ditadura militar. Mas se a onda revisionista continuar, daqui a pouco vão tirar quase tudo do repertório do carioca, começando por "Atrás da porta", que fala de uma mulher que se humilha para seu homem não ir embora e que ficou magnífica na interpretação visceral da cantora Elis Regina. É um desserviço que nossa cultura não precisa. Nada contra os politicamente corretos revisionistas, mas pergunto novamente: por que mexer em músicas que já são clássicos, se com relação ao lixo que se grava e se ouve e se canta atualmente ninguém reclama?

Quem foi criança como eu no final dos anos 70 e comecinho dos anos 80 e que não tinha televisão, certamente escutava o programa Era uma vez, da Rádio Universidade AM de Santa Maria. Hoje, aquelas historinhas seriam massacradas pela crítica politicamente correta: o lobo mau que comeu a vovozinha e queria a netinha de sobremesa seria preso por luxúria com idosas e por pedofilia! A história dos 4 Heróis (o cão em cima do burro o gato em cima do cão o galo em cima do gato cantando a sua canção) seria interpretado como suruba animal!

Brincadeira à parte, sei que essas historinhas citadas tem um conteúdo ultrapassado e corre-se o risco de assustar as crianças (a Fada Má da Bela Adormecida habitava meus pesadelos de piá).

Mas algumas músicas já viraram clássicos, então por que mexer no que já é parte da cultura? Daqui a pouco vão começar a revisar a literatura e execrar Dom Casmurro, do velho Machado, por que supostamente Capitu traiu Bentinho! Sem falar do Capitão Rodrigo, do nosso Érico Veríssimo, um mulherengo contumaz, cuja submissa esposa Bibiana também o recebia com beijos, entre guerras e puladas de cerca. E o Jorge Amado, exaltando o malandro e as prostitutas da Bahia? (se bem que prostituta é classe oprimida. E tudo a favor delas, porque também já utilizei. Mas o malandro Vadinho não seria poupado. E a coitada da Dona Flor seria condenada por bigamia!).

Menos mimimi e mais atenção para o que estão escrevendo e gravando hoje em dia, pelo amor do nosso bom gosto!

(Mas isso é uma opinião pessoal).