LEIO, LOGO SOU
“O homem é aquilo que lê”
Joseph Brodsky
Leio, leio sempre. Leio todo dia. Leio de manhã, de tarde e de noite. Leio até nas madrugadas insones ou quando dormindo sonho com livros.
Leio porque existem livros. E livros foram feitos para serem lidos. Leio porque estou vivo, e, vivendo, vou lendo, e lendo, então, vou vivendo.
Leio livros em pensamentos. Leio até quando eu mesmo estou escrevendo. E se, por caso, me faltar por perto um livro, eu o invento.
Leio sentado, deitado, agachado, em pé, andando ou parado. Leio até no banheiro, nas horas das minhas horas mais privadas. Às vezes não sei se respiro oxigênio, ou se são as letras, os vocábulos e as palavras que retiro, aspiro e inalo dos livros que leio e com eles estou sendo.
Comecei pequeno, quando minha mãe contava para mim histórias que eu, ainda há bem pouco menino, não ia entendendo, mas gostava do som carinhoso que saía de sua boca. Acho que ela já lia quando em seu ventre era eu quem o habitava.
Leio porque um dia me alfabetizaram. E se não fosse assim educado, iria sozinho me letrar, brincando de ler livros e eles brincando de me ensinar. As primeiras palavras que lá atrás balbuciei foi meu primeiro livro, e este eu ainda não terminei.
Fernando Pessoa em um livro escreveu e me disse que ler é sonhar pela mão de outra pessoa. Logo, eu, meus olhos, meus poros, meus ouvidos, minhas mãos, meus dedos, vivemos sonhando sonhos que os outros nos nutrem cevam e alimentam. Mas sou guloso, insaciável e voraz, estou o tempo inteiro esfomeado e com a fome crescendo por dentro. Tem momentos que me solto das mãos em que me sustento e com as minhas sozinhas as estico ao vento em busca de outro alguém que venha a sonhar junto comigo. E de sonho em sonhos se faz uma cidade, e dos sonhos de uma cidade criamos uma humanidade.
Lembro-me de engatinhando apalpar assoalhos como um cego lê em braile. Lembro-me também que quando amamentava sugava dos seios leites, verbos e frases. Como disse creio que já nasci meio letrado, um pouco e um tanto como quê alfabetizado, e comecei a balbuciar aquele livro iniciado, explorando o mundo e a vida, querendo que esse livro nunca termine, se finde ou jamais acabe.
Minha memória inteira é feita de livros, verdadeiros ou imaginários, lidos ou ainda não lidos, reais ou sonhados, vividos ou fantasiados, pois por dentro sou maior que uma biblioteca de Alexandria inacabada, feita de livros achados e dos não encontrados.
Quando um dia eu morrer, vou para o céu dos livros e lá vou ler por todo o sempre e por toda infinita eternidade.
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"Ler muito é um dos caminhos para a originalidade; uma pessoa é tão mais original e peculiar quanto mais conhecer o que disseram os outros" (Miguel Unamuno)