Reencontro
Desci com dificuldade o trilho, quase fechado pelo capim da invernada,
por falta de uso. Fiz o percurso devagar, avaliando os estragos causados
pelo tempo em 20 anos de ausência! Em toda a redondeza, apenas algumas
coisas permaneciam, como pontos de referência, resistindo aos ataques do
tempo em sua estranha e cruel determinação de mudar tudo e sempre.
A velha cerca de arames enferrujados e palanques apodrecidos ainda estava
lá, ladeando o trilho, como se apenas aguardasse ver-me mais esta vez para
logo depois entregar os pontos e render-se finalmente à decadência imposta
pela implacável ordem natural das coisas. O pé de cedro também sobrevi-
vera e até podia agora enxergar mais horizontes, já que ganhara uns bons
metros de altura desde quando, cúmplice de minhas molequices, deixava-se
galgar com facilidade. Ao passar por ele, eu tive a impressão de que me
reconheceu e que me acenava, agitando as folhas ao toque da brisa. Infeliz-
mente algumas das imagens mais prezadas não resistiram à ação do tempo
e já não faziam parte do cenário... Permanecem vivas apenas no arquivo da
minha saudade: a casa de madeira, o terreiro, o pé de amora... O trilho
agora ganhara declive acentuado, sinal de que eu estava bem próximo do
meu objetivo, na gruta do riacho, velho amigo de infância. Meu coração
bateu mais forte, premido pelo receio de que não mais o encontrasse. Agora
já podia ouvir bem o rumorejo das águas, sussurando a mesmíssima canção
do passado! Parei um momento. Me refiz. Retomei meus passos e completei
a descida. Senti a carícia da mesma água e as mesmas pedras massagearam
meus pés depois de tanto tempo. Levantei os olhos e ampliei o ângulo de
visão, instintivamente restrito pela expectativa. Afastei com as mãos a
cortina de arbustos que se formara - e lá estava ele! Feito eu, caindo aos
pedaços, decrépito e solitário - mas ainda ali! Inerte, não se movia mais e
nem eu esperava que o fizesse... Mas vê-lo de novo me fez recordar quem
nos produziu e nos fez irmãos. Unidos pelo mesmo sentimento de perda e
de saudade, nos abraçamos e choramos juntos, misturando minhas lágrimas
às que o rio, solidário, lhe emprestara. Emoção controlada, disse adeus ao
velho amigo e parti. Ao subir o trilho, eu juro que ouvi! Mas era tão inacre-
ditável que já não tenho certeza se ouvi... Talvez fosse fruto de um desejo
impossível ou, quem sabe, por motivos desconhecidos à razão, tenha
realmente acontecido! Seja como for, gosto de pensar que é possível que,
naquele momento sublime eu tenha presenciado um milagre.
Acalento no coração a crença de que, após o reencontro, subindo o trilho,
eu tenha de fato ouvido a derradeira batida do velho monjolo!