INSOLENTE LEGADO *

Pobre de mim, que sou apenas um condenado ao pensar, e, por vezes, a registrar o que naquele instante ocupa e cricrila a obsessão neuronal.

Este proceder fustiga-me a ponto de não conseguir fruir um sono reparador.

Sorte que tenho um punhado de amigos exigentes, dotados de modéstia e sobriedade intelectuais, que não é justo, por suas qualidades e zelos, serem preteridos nem postergados no direito à partilha de bens culturais.

Esforço-me razoavelmente para lhes prover de informações, arrisco-me a tentar lhes despertar o contraditório prosaico e/ou a noviça concepção estética lambuzada de metaforizações em que aporta o sentido conotativo da linguagem.

A Poesia atiça, pelo alarido e/ou balbúrdia, ou inquietante leveza, o rastrear de seu colorido vestido de festa, causando espécie ou furor sobre os cães de guarda, que ladram sempre o mesmo signo lerdo e gasto.

Se a palavra posta é virginal, casta, comportadinha, o desafio é a adequação do conjunto de valores que ela contém como cadinho de ideias frente ao momento histórico em voga.

Das palavras (em sua exatidão ou perante o dilargamento que o poético contempla) promanam concepções, conceitos amplificados e até máximas ou aforismos, tudo em nome da vida gregária, em sua pós-modernidade catalizadora, sobrevivente, desafiadora, insurgente, mesmo que se leve em alta conta alguns conceituais da pós-modernidade líquida de Zigmunt Bauman e a intrínseca volubilidade e/ou a volatilidade das inter-relações entre pessoas ou grupos.

Com este proceder imantado ao ofício da escrita (o bom escritor é sempre um reescritor altamente qualificado) ambos acabamos atendidos em nossas ânsias de um ser humano melhor aprumado para enfrentar o bom combate, vale dizer, sequelas entre o significante e o significado.

Quando a Poética é a nossa clava e proposta para dizer-se à posteridade que o desafio de viver não parece plausível, não há como se atrair a recomposição sem o existir da eterna arte. E esta, em sua versão poemática, distancia-se cada vez mais da realidade severa, crua, do milênio terceiro.

Com ela, o mundo dos fatos se enriquece, se agranda. É quando descobrimos a anômala simetria entre o poeta-autor e o poeta-leitor.

Bem, não para todos, e sim para quem reconhece e aceita a concepção do preexistente ao big-bang ou para aquele que o cria, na singular intenção de suportar a opressiva carga do estar vivo num mundo fático muito pouco carismático, apesar dos avanços e tropeços diuturnos dos aportes da ciência e da tecnologia.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2022.

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