Gosto na memória ou memória do gosto
Minha avó era péssima cozinheira. Todos os bons pratos que ela nos servia, eram feitos sob encomenda. Sério! A memória afetiva que tenho de seus melhores pratos são de sanduiches, pizzas, massas, sorvetes, bombons, todos pedidos por encomenda. Se ela tinha um talento, era de estragar todas as receitas que se aventurava fazer.
Ter todos os ingredientes, é condição necessária para se executar uma receita. Para a minha avó não. Ela trocava ingredientes com a certeza de que o resultado seria o mesmo. Não tem coentro? Substitui por alecrim. Faltou costelinha? Coloca carne de porco ou linguiça ou bacon. O resultado, era sempre péssimo. O que ela fazia questão de anunciar ao servir a mesa. Ela sempre avaliava sua comida, “A carne está muito passada”, “na receita era filé de peixe, coloquei postas”. A nós, só restava comer para matar a fome, sem dizer nada. Nossa família se alimentou de todas aquelas comidas com paladar alterado em vários almoços de domingo. São memórias que nos une até hoje. Jamais conseguiremos reproduzir as receitas pois com elas vinha também o jeitinho que minha avó dava em todos os seus pratos.
Compartilhamos boas histórias. Estávamos passando uma temporada na praia e os adultos se revezavam para cozinhar. No seu dia de fazer almoço, minha avó se deparou com uns cinco quilos de filé de peixe. Pensou: “vou fazer uma peixada”. Colocou todo o peixe com cebola, tomate e pimentão na panela de pressão, ligou o fogo e sentou na mesa lendo um livro, “esperando que o peixe cozinhasse “. Meu pai chegou antes de tudo virar sopa de peixe e remontou uma moqueca.
Tenho outras boas lembranças da minha avó. Ela mantinha a família unida. Em aniversários, festas de fim de ano, e aos domingos, ela sempre conseguia reunir todos. Era uma excelente contadora de histórias, misturava os contos de fada clássicos, inventava novos personagens e era dona de uma alegria e disposição de viver que nunca mais vi em ninguém.
Você já ouviu alguém comentar que não se esquece dos bolinhos horríveis que sua avó ou mãe fazia? E que tem saudades deles? Porque a memória afetiva, no caso do paladar, é só de coisas boas? Será que só eu tive uma avó péssima cozinheira?
Termino com um alerta: livrem-se dos estereótipos. Por trás de uma alegre senhora pode esconder uma péssima cozinheira. Nem sempre com a idade melhoramos nossas aptidões. Só aprimoramos o que é de nosso desejo.
Márcia Cris Almeida
26/09/2022