COM A PALAVRA ADÉLIA PRADO (BVIW)
Outros mais sabidos já disseram que a memória afetiva surge através de elementos sensoriais e emocionais, são lembranças que marcaram e foram importantes e especiais nas nossas vidas, são construídas a partir das próprias experiências, que ficam registradas na consciência e que no futuro essas lembranças aparecem como memórias afetivas e muitas vezes surgem através de sons, cheiros, sabores e cores.
Á guisa de reflexão, transcrevo abaixo um texto da poeta Adélia Prado , que trata sobre o tema, sob o título “O que a memória ama, fica eterno”.
“Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender. O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.
É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.
Diante do tempo envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente parte. Porém, para a memória ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto, nossos pais ainda vivem.
Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.
A capacidade de se emocionar vem daí: quando nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e lembra aquela pessoa, aquele momento, àquela época…”