Tempo Perdido?

Até meados dos anos 90 o jovem preto/pobre não tinha artistas com quem se identificar. O rap ainda não tocava nas rádios, o funk era majoritariamente cantado em inglês, bandas como O Rappa, Cidade Negra, Planet Hemp ainda não tinham aparecido…

Nesse cenário de carência, o que estava mais próximo, ou melhor, menos distante da gente eram as bandas de rock/pop dos brancos ricos ou da classe média alta. Bandas essas que eram massificadas na rádio e TV…

A Legião Urbana era uma das minhas prediletas. Frases como a da música Teatro dos Vampiros falavam muito comigo: "Vamos sair, nós estamos sem dinheiro/ Os meus amigos todos estão procurando emprego…". Além disso, o Renato Russo era tipo um irmão mais velho, tinha um quê de guru, de messias…

No dia em que ele morreu, senti como se um parente meu tivesse morrido, fiquei muito triste, assim como outros tantos "legionários". Logo alguém teve a ideia de fazer um tributo em homenagem ao nosso "Papa" no clube Vasquinho de Morro Agudo. Lógico que eu não podia faltar ao culto…

Enlutado, trajando uma camisa preta com uma estampa imensa com a cara do Jim Morrison, lá fui eu. Assim que cheguei fui ao bar do clube comprar um copo de vinho barato de 500 mls para participar da "santa ceia", esse foi o primeiro de vários…

Tinha uma banda cover (não muito boa) da Legião Urbana que já devia estar tocando por umas duas horas seguidas. Mas, sob os protestos da plateia que dançava freneticamente em frente ao palco, o frontman da banda disse que dariam um curto intervalo e voltariam em breve…

Os membros da banda mal desceram e o palco foi invadido por um grupo que momentos antes tocavam guitarras imaginárias, tipo campeonato de Air Guitar. Eles decidiram dar sequência ao show, o que não aconteceu, pois os donos dos instrumentos voltaram e rolou o maior tumulto…

Os integrantes da banda cover, que pareciam ser os únicos sóbrios do recinto (já que pelo visto não tiveram tempo nem de beber água), viram que era mais prudente continuar tocando, e tome três acordes…

Lembro de um magrelo que subiu no palco e deu um "mosh" mas ninguém o segurou, e ele se estabacou no chão. Aparentemente sem nenhum trauma ele se levantou e continuou dançando…

Lembro de um cabeludo que estava deitado no chão e tentou se levantar quando tocou o que parecia ser sua música preferida, sem sucesso. Mas ele não desistiu, e ficou dançando lá mesmo no chão, se debatendo como se estivesse sofrendo um ataque epilético…

A "celebração" já estava chegando ao final quando alguém, como se fosse um sacerdote, pegou o microfone e disse que onde estivesse naquele momento, o Renato Russo gostaria que todos se deitassem no chão, pensei: Se o Renato gostaria, por que não? E me deitei…

Eu, sob efeito do vinho tinto barato fiquei ali deitado junto aos demais. Creio que não só eu tinha a sensação de que teríamos alguma experiência metafísica, mas passado uns três ou cinco minutos nada aconteceu. Os que não dormiram (que era o meu caso) aos poucos se levantaram e foram embora.