SEMENTES
“Colhemos tudo o que plantamos” – sempre concordei com este pensamento, a meu ver bastante sábio, coerente com a realidade e atemporal. Ninguém percorrerá os caminhos da vida sem vivenciar os efeitos colaterais daquilo que suas escolhas geraram. É possível apenas manter um sorriso no rosto quando há uma represa prestes a transbordar de nossos olhos e não queremos que o mundo saiba de sua existência. No entanto, ainda que essas águas passem despercebidas por uma multidão, elas permanecem lá, talvez na região mais isolada de nosso peito camuflado. E assustam, pois não compreendemos se podemos sobreviver à enchente, caso os diques de nossa estabilidade emocional sejam rompidos.
A vida é consequência da sequência que damos a um roteiro, das encenações diárias da obra íntima que desejamos compartilhar com os nossos semelhantes. No entanto, nem sempre seguimos à risca aquilo que escrevemos e permitimos ao mundo ler. Uma palavra pode possuir amplo significado e nem sempre os espectadores entenderão de fato aquilo que verbalizamos. A intenção nem sempre condiz com a ação e não há quem possa decifrá-la. Contudo, ainda assim, não se pode escapar do julgamento justo que Deus ou a Natureza ou algo supremo e não humano, faz de nossas secretas e verdadeiras intenções. Pois mesmo o crime nunca cometido, mas confabulado na escuridão silenciosa de um quarto, gera um efeito colateral a quem o idealizou. Do mesmo modo um ato benevolente, porém sutil, também será reconhecido – nem sempre pela humanidade.
Cada semente possui o seu tempo e o seu processo até brotar, crescer e dar frutos. Entretanto, todas geram um resultado, mesmo aquela que aparente não haver vingado. Algumas árvores são notadas somente pela sombra que oferecem. Outras, apenas em uma determinada época do ano quando estão repletas de flores. Algumas serão mortas e transformadas em objetos – nem serão lembradas como árvores. Mas todas são úteis. Efeitos colaterais das sementes que nem todos viram ser plantadas.