DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 36; Dia 37; Dia 38)

Dia 36

12 de setembro de 2026

Meus amigos de São Paulo e do Rio de Janeiro mandaram mensagem pedindo socorro.

Produzimos muita coisa juntos, pensando na saúde pública, mas sei como o poder político emperra os avanços da ciência.

A universidade e os estudantes pagam o preço da mesquinharia dos senhores dos palácios.

Meus amigos dizem que os governadores e prefeitos de lá já não sabem o que fazer. Os atritos entre políticos locais e o poder central está matando o povo.

Mas não vou colocar meu produto em risco, por causa do ego ferido ou supervalorizado dos ratos dos palácios.

Lamento pelos meus amigos da universidade, mas não vou me envolver.

Sei que o governo central poderia liberar as universidades e hospitais federais para fazer a diferença, mas também sei que tudo isso é jogo de cena. O interesse de uns e de outros está nas eleições do final do ano.

Se o povo vive ou morre, para eles não faz a menor diferença.

O prédio da indiferença em relação ao povo tem que ser derrubado.

Implodindo. Caso se acirrem as disputas de ego que movem os interesses politiqueiros dos senhores do poder.

Explodindo, caso o povo acorde da multissecular apatia na qual foi produzido e descubra que não são os poderosos que possuem poder, mas aquele que por milênios vem sendo usado como massa moldável aos interesses de quem se apropriou do poder.

Dia 37

13 de setembro de 2026

Tinha proposto um jantar com minha vizinha, mas ela não me respondeu.

Não sei o que está acontecendo com essa mulher.

Os norte americanos estão bebendo do seu veneno. Disseram e fizeram absurdos em sua relação comercial com os chineses. Mas agora estão dependendo de produtos e informações da China para enfrentar sua cota da pandemia.

Mal sabem eles que meu produto se originou em seus laboratórios.

Mas deixa pra lá.

Eles pensam que são os donos do mundo.

Fanfarrões.

Quem manda no mundo são os micro-organismos.

Eles são a verdadeira origem da vida, controlam a produção e a vida no planeta.

A morte e a vida dependem dos micro-organismos!

Os americanos pensam que podem manipular o mundo. Pensam que podem produzir armas biológicas e químicas, mas não vão dar conta de resolver esta equação.

Não é por ser meu, mas meu plano foi perfeito.

O material dos seus laboratórios é, hoje, visto como material de origem chinesa. Eles não estão levando em conta uma das grandes virtudes dos chineses: aperfeiçoar aquilo que foi produzido ou descoberto por outros.

Neste ponto, a cultura chinesa não interessa. O que interessa é que os americanos estão bebendo do seu veneno.

Pois é, vou pra cama. Hoje minha vizinha não quis saber de mim.

Dia 38

17 de setembro de 2026

Sentado na beirada da cama, tenho que fazer um registro será rápido, antes que ela entre. Não quero que minha vizinha veja meu diário.

Cheguei cansado.

Nem deu tempo de ver as notícias sobre as tragédias do mundo.

Ela me fez de motorista o dia todo.

Ela foi muito esperta. Alegou que machucou o braço e não está conseguindo dirigir. E me convenceu a trazê-la até a casa de sua filha.

Não posso dizer que tivesse segundas intenções, em seu convite, pedindo ajuda. Mas, enfim, aqui estamos.

Ainda bem que não tenho filhos, assim não preciso visitá-los. Nem suportar as pestes dos netos.

Não queria vir, mas ela insistiu tanto que não resisti.

Foi um bom dia. Passei o dia todo ao seu lado, na estrada.

Mas estas horas na casa de sua filha me ajudou a ter certeza: não sirvo mais para a convivência com as pessoas.

Fico irritado com as baboseiras que dizem.

Reunião de família, então: em todas repetem-se as mesmas histórias. Riem das mesmas situações… mergulham no passado, de suas memórias, como se as revivessem; revivem as aventuras das décadas passadas como se as pudessem trazer de volta… alheios aos reais problemas do dia a dia cotidiano… ou fugindo deles!