Uma linda tarde na cafeteria sozinho

"Local propício às lembranças e confissões de amores mal resolvidos. Vinho perto. Livros românticos e emoções" (foto ilustrativa).

Ah, os hábitos do happy hour. O café da tarde. Palavras soltas em torno de livros e essências que fazem bem à alma e ao corpo. Particularmente se ao visual da gula, acrescenta-se o da bela da tarde. A fazer bater apressado o coração. Ela vem toda de branco. Maravilha. Coisa linda. Em primavera quente a dizer sim e não com seu olhar de segundos, traço na tarde a confundir a alma. “A coisa mais linda que já vi passar”.

Árvore do tempo, com sua maturidade, seu vento calmo, suas flores. Aqui mais flores. E a temperatura alta que o desmatamento e a poluição proporcionam. Talvez por isso as claras tardes, em que o amor se apresenta, com seu corte longitudinal, pernas esguias, longilíneas, visita a um café.

Pois é. Hábitos criados na cafeteria. Ali discutir Platão e apreciar as mulheres, mais que os volumes de livros expostos para o prazer de bibliófilos e bibliomaníacos viciados em leituras e mofo de obras. Palco do conhecimento. Onde travar contato. Alguns, imediatos. Outros, na lentidão do tempo que se arrasta nestes dias de primavera, favorecendo jogos de sedução, passos da paixão. Ou sua cura.

Nomear as coisas. A palavra dada. Que a tarde primaveril prenuncia a tempestade apaixonada dos dias da juventude. Luz do sol que a terra toma, fim de tarde, corações melancólicos daquela tristeza que constrói sempre. Poemas. Ou planos de retirada quando é guerra. Os bons generais sabem recuar. O que não é o caso em tempos de escaramuças entre o Legislativo e o Judiciário. O Executivo perdido nas contas da recessão. Onde, para os mortais comuns, apaixonados, às vezes, o amor se perde. Que os sonhos não se sustentam quando a luta se faz renhida e é hora de sacrifícios.

Pois este o amor que não se entrega. Nem se prostra. Donde as separações no crescendo. À falta de cuidados. Porque nem palavra dada se encontra onde o amor não planta suas raízes. Que pode começar num café, seguir pelas tavernas, à noite, perder-se numa cave, adega subterrânea, onde os vinhos esperam. Que é da mística do amor o seu paralelo com as flores e os vinhos. E seu início endênico. Onde tudo era o nada. O caos. Ordenado no big bem. E em expansão.

Princesa. Musa da primavera. Rastro de paixão nas vitrines, poesia que se derrama na contramão. Sentimento que diz o nome, sem pudor, sem temor, arco da emoção. Porque assim é, toda vez que se procura, ela não está. Café vazio, rostos inexpressivos, solidão o silêncio da palavra não pronunciada. Nem o riso claro do olhar cúmplice, travesso, a capturar o outro como um bombardeio contra população civil. Metáforas e metonímias à saturação. De outras, o jogo duro das palavras nas frases curtas. Guerrilha. Às vezes ternura, até. Em tudo o impacto do encontro. A surpresa das palavras não ditas. Presas na garganta.

Ah, esses encontros na tarde quente. Nas ruas as pessoas ainda temem a recessão. Não falam sobre. Apenas constatam a vida cara. Difícil. Como um encontro que não sai. As agendas. Cheias. Incompletude a expectativa. Espera que desanima. Mas logo é outro dia. E a visão se repetirá. Talvez deixe a mudez. Cinema falado. E poderá dizer aceito. Ou boa tarde. Ou ainda que a tarde é calma e os carros não buzinam tanto. E o dia é propício às confissões de amor. Vinho perto. Flores e emoção. Loira. Musa que tarda.

Tarde o vento que não cria fantasmas para os navegantes. As fúrias. Feitiçaria, o amor. Donde o temor. Ou a coragem, quando o enfrentamento. Criar os caminhos todos que levam ao azul da tarde, livro, café, um misto de curiosidade e atenção que mais crucificam o amador. Tarde amena, feira de flores. Para ela, a musa, lírios. Encanto de sonho.

Que o tempo nos castra os sonhos e impede as aventuras que amamos e sonhamos. Donde os cortes no tempo. Montagem de filmes antigos. Mais mixagem. Um livro perdido. Pergaminho. Cuneiforme escrita. Hieróglifos. Cópia manuscrita. Que o carinho guarda “do lado esquerdo do peito. Dentro do coração”. Dentro da tarde que se esvai, agônica, veloz, quando não vem a musa. E tropeçamos nas palavras. Mas saímos na tarde e respiramos o ar do crepúsculo e esperamos novo dia. Nova tarde. A bela da tarde.

Jova
Enviado por Jova em 23/09/2022
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