OS ITALIANOS

OS ITALIANOS E O “SONHO DA AMÉRICA”

Nelson Marzullo Tangerini

Em 1914, Antônia de Oliveira Soares, filha do português Manuel Gomes Soares e da brasileira Rufina de Oliveira, se casa com o italiano Emílio Marzullo, calabrês, filho de Vicenzo Marzullo e Concettta Mannarino.

Vicenzo e Concetta, de San Lucido, imigraram para o Brasil, viajando no porão de um navio – viagem de 5ª categoria, na penúltima década do Século XVIII, trazendo os dois filhos pequenos, Eliseo Filippo (que era chamado de Chico) e Emílio (este, ainda de colo). Com eles, um grupo de familiares – todos italianos paupérrimos e com a esperança de fazerem “o sonho da América”. Acompanhavam-nos os irmãos de Vicenzo e Concetta: Nicoletta Mannarino e seu marido Giuseppe Santoro, Carolina Mannarino e seu marido Francesco Chimenti, que, depois, se mudariam para Ohio, EUA, com os filhos e Luiggi Mannarino, que, após sonhar com alguns números e ganhar na loteria, iria buscar uma esposa na Calábria: Caterina De Luca era o nome da jovem calabresa. Uma filha do casal Francesco e Carolina, resolveu ficar no Brasil. Havia ainda uma outra irmã, Maria Mannarino, professora de acordeon, que prefriu ficar na Itália com o marido e sua mãe, Rosária Pannofelice, que faleceria anos depois, aos 103 anos.

É triste a história de Rosária Pannofelice, mãe de Concetta, Nicoletta, Carolina, Maria e Luiggi. Filha de um funcionário da aduaneira, Rosária era “do lar”, como se dizia na época, e levava uma vida muito dura. Não saía do tanque e da cozinha. E ainda tinha de criar 5 filhos. Nem sempre conseguia dar conta do serviço e preparar a comida do marido, que era feita num fogão à lenha, com estrutura de pedras, fora da casa, também feita de pedras. No frio, era duro ir lá fora para pegar água ou preparar alguma coisa.

Gennaro Mannarino homem muito grosseiro, já andava irritado com aquela situação. De vez em quando a comida atrasava. Capataz de uma fazenda local, o violento Gennaro chegava sempre faminto e, muitas vezes, tinha de esperar a mulher preparar a comida para servi-lo. Certo dia, muito faminto e irritado com o fato de a comida ainda não estar pronta, o calabrês aplicou-lhe uma surra violenta. Rosária apanhou tanto, que ficou 1 mês acamada. Quando melhorou, refugiou-se no convento de San Francesco de Paola, abandonando a casa, o marido e os 5 filhos, até morar com Maria, que a acompanhou até o fim da vida.

Quanto ao calabrês Vicenzo Marzullo, este era um humilde padeiro, que veio a falecer às 17 horas do dia 5 de março de 1911, aos 64, vítima de aneurisma da veia aorta, deixando viúva Concetta Mannarino chamada de Xóxa. e 5 filhos (dois deles com Concetta). Sua sobrinha Catarina Santoro, na época com 94 anos, ainda se lembrava do tio Vicenzo: “Morávamos todos juntos, na Rua Marquês de Pombal, na Praça XI. Ele usava uma argola numa das orelhas. Um costume que trouxe da Calábria. Estava na sala, quando ele morreu. Eu tinha 4 anos. Abaixou-se para abrir uma gaveta e caiu fulminado, talvez, por um infarto. Seu corpo foi velado em casa. Os filhos tiraram duas portas de um dos cômodos, puseram-nas sobre duas cadeiras e, em cima das portas, colocaram seu caixão. Tudo à moda calabresa”.

O filho mais velho de Vicenzo e Concetta, o Chico, foi um grande eletricista. No início do Século XVIII, ele fazia instalações elétricas em todos os cinemas da recém criada Cinelândia, a terra dos cinemas, novo bairro construído em cima de um areal, para concentrar todos os cinemas da Cidade Maravilhosa. Seu braço direito viria a ser um de seus filhos, o eletricista, cantor e compositor Vicente Marzullo.

Emílio, namorador e boêmio como o pai, preferiu a poesia e a fabricação de perfumes. Era conhecido, popularmente, como o Poeta da Praça XI. Chegou a trabalhar no Cais do Porto do Rio de Janeiro. Ali, o poeta, sem habilidade para o trabalho rude, enfiou uma farpa na mão e teve tétano. Estava recém casado com Antônia. Sua prima Laura Santoro, mãe de Catarina, não o abandonou um só instante e lhe deu todos os remédios, ainda que estivesse com os dentes fortemente cerrados. Trabalhar duro, segundo Catarina, sua sobrinha, não era seu forte, como veremos adiante. Quem o conheceu, ouviu dizer que o italiano era conquistador, uma espécie de “Dom Juan”. Isso, ele fazia muito bem. Contamos ao todo 7 filhos: Maurício, Dinah e Dinorah, com Antônia) e João Baptista, Lourdes, Iracema e Lúmen (com Nair Ramalho, fluminense de Paracambi). Ao que tudo indica, há mais filhos espalhados pela cidade.

Emílio conheceu a jovem Nair quando esteve pela primeira vez em Paracambi, que, na época, se chamava Tarietá e era um distrito de Vassouras. O poeta viajou para lá com seu irmão Eliseo com o propósito de porem instalação elétrica no primeiro cinema, recém construído, naquele distante distrito.

Conhecido como namorador, volta e meia uma mulher batia na porta do tio Chico, na Rua Bias Fortes, 44, em Bonsucesso, com uma criança no colo. “Se é filho do Emílio, manda entrar”, dizia o eletricista, prosseguindo: “ – Tem nosso sangue manda entrar”.

Maurício Marzullo, “O Maurzio mio”, o neto mais velho, advogado e poeta (1915-2008), soube do falecimento através de uma carta familiar. Estava em Fortaleza, Ceará, a trabalho. De lá enviou, por cara, um belo soneto escrito, entre julho e agosto de 1942, em homenagem a avó, que havia levara uma vida muito dura na Itália, com seus irmãos, e no Brasil, com seus irmãos, filhos, sobrinhos e netos.

Publicamos, nesta crônica, o referido soneto escrito por Maurício Marzullo:

“VOVÓ CONCETTA

À minha avó paterna Concetta Mannarino

Ai, quando me lembro, Vovó tão querida,

das eras tão rudes, que, juntos, passamos,

confesso que sinto saudades da vida,

em que só tristezas nós dois amargamos!

...

Agora, que vais, nesta Longa Partida,

cansada da idade e dos vis desenganos,

não esqueças, Vovó, que inda fico na lida,

que sempre travaste entre os entes humanos...

...

Vovó tão querida, Vovó tão distante,

não deixes que eu fique tão só, por aqui,

vivendo indeciso, vivendo hesitante!

...

Oh! Dize a Jesus que também pretendi

seguir o teu passo cansado, ofegante,

tal qual me fizeste dês quando nasci!...”

Esta crônica está inserida no livro “Antônia Marzullo, a atriz que falava com os olhos”.

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Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 20/09/2022
Código do texto: T7610609
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