Editora Cancel@mento
Hoje é um dia esplendoroso e isso não pode ser Cancelado!
Acabo de fechar meu primeiro contrato com uma editora e o pacto firmado é inamovível, estando a perene duração atrelada apenas a finitude da minha malfadada vida. Embora as bases de proventos sejam insuficientes, por exemplo, para me deixar rico (pra falar a verdade passa a largo dessa condição), o acordo conta com suas benesses, oferecendo a possibilidade de receber remuneração sem sequer trabalhar.
Na verdade para os amigos e curiosos entenderem melhor, é preciso detalhar as minúcias (não tão minuciosas assim) do documento. Estava um dia desses na varanda lendo algum desses bem sucedidos autores, degustando a velha Coca-Cola adornada por gelo, sentindo a brisa esvoaçar meu cabelo, quando o estridente trinado telefônico acabou me abduzindo do mundo das letras.
Do outro lado da linha o timbre feminino, comedida, apresentando-se como recrutadora da Editora Cancelamento. Sem delongas, disse que há algum tempo vinham acompanhando minha trajetória, estavam literalmente de olho no meu talento. A prova disso, o perseverante desejo de me içar como o principal nome a integrar o quadro de autores Cancelados.
Do outro lado da linha, a representante não titubeou em relatar a combinação, rechaçando qualquer complexidade. O pacto consiste no seguinte: uma vez sendo parte do quadro de autores, ao ser invadido pela ideia de produzir uma narrativa inédita, seja poética ou em prosa, devo compor um singelo argumento, o mais sucinto possível, no máximo 15 linhas, mas suficientemente preciso para elucidar os pormenores. Depois disso, se eu aceitar abdicar do direito de escrever o tal texto, recebo imediatamente um PIX, com o valor podendo variar entre R$ 300 a R$ 500, a depender da quão desvairada seja a idealização.
Antes de a mulher explicar que a Cancelamento era uma editora especializada no combate à poluição literária, seja ela de ordem física ou virtual, tratei de vociferar ACEITO, sem pestanejar, e assim passei a ser o mais novo Cancelado. Perfeito, realmente, não é! Talvez, se existisse alguma maneira do pagamento pingar na conta sem ter de produzir o tal argumento... Será?