A velhice serena BVIW
“...um preconceito deve ser radicalmente afastado: é a ideia de que a velhice traz serenidade...É uma ilusão incômoda: ela permite, a despeito de todos os males pelos quais nos sabemos oprimidos, pensar que os velhos são felizes e abandoná-los à própria sorte.” (Simone de Beauvoir, A velhice).
É confortável pensar que o velho é um ser bem resolvido, não se apega às paixões e se descobriu repentinamente, sereno. Não possui pendências nem desejos. Aguarda, estoica e sabiamente o coroamento de toda uma vida bem vivida, a morte. Este ser invisível, sem estridência, é considerado o velho saudável. Precisamos acreditar que o envelhecimento normal nos leva à sabedoria e à tranquilidade. O velho sábio, tranquilo, não apaixona, não faz sexo, não deseja, não dá gargalhada, não dança, não come e nem bebe muito, é comedido. Não vive.
Não estou dizendo que o sujeito velho é invisível. É pior que isto: a velhice é invisível para todos, até para os velhos. Por isto ninguém quer envelhecer. Envelhecer não é permitido e se acontece, precisamos sustentar esta serenidade e invisibilidade para evitar enxergar neste espelho o que teima em se apresentar: a decadência, a proximidade da morte. Eles somos nós amanhã. Fazemos e investimos na cultura do velamento da velhice e de esconder os velhos serenos em suas casas.
Termino, citando Beauvoir:
“Não sendo agente da história o velho deixa de interessar e a sociedade silencia-se sobre ele, quando muito a literatura o dissimula em clichês. Com relação à juventude e à maturidade, ele é considerado uma espécie de referência negativa: não é o próprio homem, mas seu limite; fica à margem da condição humana; nele não a reconhecemos e não nos reconhecemos nele.”
Márcia Cris Almeida
19/09/2022