MEU PRIMEIRO CASO! UM HORROR!
Por volta das 14:00 soou o telefone. Enfim a oportunidade de sair às ruas em defesa de direitos de crianças e adolescentes. Mas o caso nem era meu. Estava apenas na companhia de d. Cida, uma Conselheira de três mandatos que conhecia todo mundo na cidade. Não havia um litígio em que dona Cida não conhecesse as partes envolvidas.
Depois de acumular experiência trabalhando há mais de dez anos como voluntário em uma comunidade na cidade vizinha, Mauá, resolvi que poderia servir melhor em minha própria cidade e me candidatei ao cargo de Conselheiro Tutelar. O salário era razoável, o horário flexível e eu poderia conciliar com a atividade comércial que exercia. Durante o curso preparatório percebi que não tinha chance nenhuma. Os demais candidatos eram apadrinhados ou eram filiados a alguma igreja ou entidade filantrópica. Eu não tinha nenhuma base de apoio. Um candidato em especial chamava a atenção. Era ligado a um grupo de Escoteiro Mirim. Tinha apoio do Rotary e da ASFAR. Mas, justamente no dia da eleição ele sofreu um acidente e não pôde participar do pleito. Após apuração o resultado das urnas se mostraram surpreendentes. A primeira colocada teve cerca de oitocentos e tantos votos. A segunda quase seiscentos. A terceira quinhentos e tantos. A quarta, trezentos e poucos. A quinta, duzentos e tantos. Eu apareci em sétimo lugar com cento e vinte e cinco votos. Mas aí, as engrenagens começaram a se mover em meu favor. A primeira colocada fora denunciada por ilegalidade. Segundo apurado, ela gerenciava um programa de distribuição de leite a famílias carentes e condicionou a entrega do produto ao voto. Fato comprovado, ela acabou desclassificada. Outra candidata, antes da posse foi convocada para assumir um cargo em um concurso público que participara e declinou de sua vaga. E assim eu tomei posse. Agora, estávamos rumando para o Bairro “Boa sorte” para averiguarmos uma denúncia. A denúncia? Segundo me informou dona Cida, havia uma mãe que estava prestes a abandonar o marido e seus filhos para fazer vida com o amante. Mas onde está o direito violado? Questionei.
Que direito violado que nada! Esquece o curso. Agora a coisa é na prática. Daqui para frente é na raça! A gente precisa trabalhar preventivamente. Depois do leite derramado não adianta chorar! Dona Cida era assim. Tinha os seus próprios métodos.
Descobri que o casal já eram velhos conhecidos de Dona Cida. Ela, então começou com um papo de “cerca Lourenço” que não tinha fim. Enquanto isso, eu avaliava a situação da casa: sujeira pra todo lado, prato com sobejo no meio da sala. Um gato amarelo e magro dormindo no canto do sofá e dois peralvilhos me observando com curiosidade. O gato despertou, deu uma boa espreguiçada e veio abalroando, quando dei fé já estava enfiando a cabeça no vão de meu braço direito numa intimidade felina. E dona Cida arrodeando o toco. Os meninos observavam a cena atentamente. Com um aceno de cabeça quase imperceptível um deles, deu um comando saíram pela porta da cozinha e em instantes desapareceram. Eu disse a mim mesmo: Hanrã! Então temos um líder aqui!
Por fim, dona Cida disse:
Cláudia, minha filha, é verdade que você vai abandonar o João e as crianças e vai fugir? È verdade isso que chegou aos meus ouvidos, minha filha?
O que???? Nunca vi um cabra tão decidido. O casal levantou-se do sofá e o marido indignado, já abraçando instintivamente a esposa, ficou furioso. Esbravejou contra a parentela toda que morava no mesmo quintal. A esposa, por sua vez, cuspia marimbondos contra as cunhadas. E desandou a boca a falar mal da parentela. E que boca para os nomes feios tinha aquela moça!.
Voltamos para a sede, eu confesso, um pouco decepcionado. Na verdade, esperava mais de um primeiro caso, mesmo não sendo propriamente meu. Relembrei os fatos: o gato abalroava, as crianças traquinavam, dona. Cida parlamentava, a moça dissimulava, e eu observavando discretamente. Fiquei com a impressão de que a esposa estava com cara de quem estava aprontando.
E assim o dia se foi. Meu primeiro caso marcou um inicio bem pífio, pensei comigo.
Entretanto, na segunda feira, logo pela manhã, fui avisado de que alguém estava à minha espera. Era o João, o marido traído. Mal falei com ele e já me abraçou chorando compulsivamente. Chorava pra valer! Chorava de soluçar. Uma cena bastante constrangedora. Normalmente, os homens não choram nem quando descascam cebola, e agora ali, uma situação daquelas. Eu disse a ele tudo o que um homem solidário diz a outro quando traído e abandonado pela esposa. É uma questão de ética masculina:
Pense nas crianças, João! Você é um cara decente! Você é trabalhador! Vai reconstruir a sua vida. Aquela ingrata não merece os seus sentimentos. Vai ver, foi até um livramento. Logo logo você conhece outra pessoa e reconstrói a sua vida. Ela não te merece! E quando ela voltar arrependida você mostra para ela que a fila andou! Enfim! Essas coisas que se diz a um marido traído para aliviar a sua dor.
E, nem por um momento eu suspeitei que ali, naquele exato momento, chorava em meu ombro um psicopata cruel, um assassino frio e calculista, um filicida miserável, que fora capaz de degolar, eviscerar, esquartejar, queimar, jogar as vísceras no vaso sanitário, ensacar o que sobrou e deixar para o caminhão do lixo levar. Os cães lamberam o sangue daqueles inocentes. Agora, esse miserável está apodrecendo no Tremembé cumprindo pena de trinta anos, juntamente com sua nova companheira e cúmplice. Realmente, meu primeiro caso, ainda que não fosse meu, foi atípico.
Esse caso ocorreu em setembro de 2008. Não estava mais no Conselho mas fui convocado para dar um apoio com relatórios. Manchetes, notícias na mídia não retratam absolutamente o que aconteceu. Guardo comigo informações que nunca foram veículadas. Confesso: É duro relembrar tudo isso. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco.