Lembranças do domingo
O domingo tinha pouca brincadeira. Era dia de Missa. A igreja mais próxima era a do Senhor Bom Jesus. Íamos à Missa pela manhã, a missa das crianças, antes da celebração havia o catecismo, a família Moisés era responsável pelo catecismo. Tínhamos uma cadernetinha onde era marcada a nossa presença com a catequista colando um santinho no domingo correspondente. Só fazia a primeira comunhão quem não faltasse às aulas e tivesse a caderneta repleta de santinhos, comprovando que não houve falta. Era nas aulas de catecismo que aprendíamos os valores. Os dez Mandamentos, os mandamentos da Igreja, o temor a DEUS e o medo do Inferno, Inferno medieval, que não nos permitia nenhum pecado nem por pensamentos e muito menos por ações.
A missa era rezada em latim, tínhamos o missal que era
Bilíngue, em latim e português, assim podíamos entender a missa rezada pelo padre Heli de Oliveira Mendes, de costa para nós e de frente para o santíssimo.
Aprendemos muito com o padre Heli. Sabíamos de cor (de
Coração mesmo) O Pai-Nosso e a Ave Maria em latim: Pater noster, Qui es in caelis, sanctificetur nomem tuum. Adveniat regnum tuum. Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra.Panen nostrum quotidianum da nobis hodie. Et dimitte nobis debita nostra, sicut et nos dimittimus debitoribus nostri.Et ne nos inducas in tentationem: sed libera nos a malo. Amen.
Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum; benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus.Sancta María, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
Nas festas religiosas havia as procissões, os homens seguiam de um lado e as mulheres de outro. Filhas de Maria, Congregados de Mariana e Vicentinos. Tinha a banda de música. Na sexta-feira da paixão, a procissão com o esquife do Senhor Morto, era seguida com todo o respeito e silêncio. A dor da paixão e morte do senhor tinha cheiro de manjericão.
Mas domingo também era dia de feira na rua garça. Dia de jornal, dia de macarronada com galinha e principalmente dia de CINEMA.
Todo bairro tinha o seu cinema. Frequentávamos nas tardes de domingo o Capitólio ou o São Cristóvão e nos deliciávamos com as matinés, com os filmes de Tarzan, os seriados que acabava sempre no melhor momento, nos deixando doidos que chegasse o próximo domingo para constatarmos a continuação.
“Os perigos de Nyoka” filme de aventuras na selva com Kay Aldridge que terminava sempre com ela em uma situação de perigo. E na tela aparecia escrito em inglês “to be continued”
Meu pai era surdo, mas era alfabetizado, então nós escrevíamos bilhetes para comunicar com ele. Ele nos levava ao cinema para ver os filmes estrangeiros, devido ao letreiro. Minha mãe morreu sem aprender a ler, com ela a gente só via os filmes nacionais.
Além dos cinemas de bairro, o São Cristóvão, o Capitólio, São Carlos. Havia os do centro da cidade: Brasil, Arte Palácio, Acaiaca, Metrópole, Guarani, Santa Tereza, Odeon... e tantos outros templos.Templos da sétima arte e hoje “templos da salvação”.
Tenho saudades do tempo que eu não era órfão.