De uns tempos pra cá, sinto que estou ficando (cada vez) mais distraída. Depois da pandemia (o álibi perfeito: a academia, as aulas de dança, os encontros) a vida deu uma desacelerada, e em alguns casos, até mesmo um "stop".

 

Sempre ouço uma piadinha sem graça por causa dessas minhas distrações. Outro dia mesmo, o vô de uma amiga, sabe-se lá com que direito, disse que na minha idade não é comum ter esquececimentos e que quando chegar na dele, terei perdido a memória. Pra não ficar pra trás, dei um risinho, entre os dentes, e emendei: Do jeito que ando, não creio deva chegar na sua idade, Sr. Jackson. E a memória é o menor dos meus problemas. A coluna vertebral que o diga! Eu nasci velha... - Isso tudo porque deixei meus óculos de sol no consultório do cirurgião que é irmão dele.- Não seria antiético contar minhas falhas pro parente? Vontade de ligar pra ele e exigir retratação. Mas, por hora, agradeço a Deus por tê-lo encontrado. Sem planos para investimentos presentes e futuros em fotofobia. Logo, o Sr. Jackson me salvou. Já perdoei. Pronto.

 

Mas do que estava falando mesmo? Ah, lembrei... Era de distrações. A minha terapia de regressão começa toda vez que vou sair de casa. Ouço uma voz baixinha ecoando como zumbido: você está esquecendo de alguma coisa... Sinceramente, considero seletiva essa voz, se quisesse me ajudar mesmo, diria logo o que estou esquecendo e, assim, não teríamos nenhum inconveniente. Mas, não! A praga da voz é petulante e irônica.

 

Pego a bolsa, fecho a porta do apartamento, aperto o número 0 no elevador. Quando pouso na garagem (pouso porque vivo voando) lembro-me, sem fazer esforço, que me esqueci da chave do carro. Meia volta vão ver! E lá está ela a dama de ouro, voltando ao apartamento. Mas onde está a chave? Bem, aí já é outro assunto e começo a brincadeira de esconde-esconde. 

 

Quente, frio, gelado... Nada! Andei a casa toda e de repente, lembro-me que tenho, no celular, um aplicativo que encontra a chave. Mas onde está o celular? Parece piada, mas não é. Ela está na bolsa. Mas cadê a bolsa? Deixei sobre o carro quando subi para pegar a chave. Meia volta, de novo... 

 

Aperto o 0 no elevador, outra vez. Que programa mais atraente para o "findi"! Pego o celular na bolsa e subo pelas escadas. Para minha alegria o elevador está preso no 7. Que sorte!

 

Chego em casa e aciono o aplicativo de celular que reconhecendo a chave, emite um sinal para identificar o local onde se encontra o objeto. Pois bem, leitores, pra minha total surpresa ( quando digo surpresa estou falando daquelas de ficar boqueaberta) a chave estava no B O L S O  D O

C A S A C O.

 

Foi frustrante (aceitar aquele momento). Sentei-me na sala de jantar e busquei mentalmente o Sr. Jackson... Quantas décadas me separariam do esquecimento eterno?

 

Tenho criado algumas teorias pra justificar essa dança da memória. Quem sabe não são os livramentos? Um minuto de espera salvou dezenas de pessoas da queda das torres gêmeas, no Word Trade Center; os distraídos não seriam os verdadeiros evoluídos por conta do desapego?

 

Mas se tudo der errado e a memória, de fato, for um problema, resta-me aproveitar do "eu criativo", enquanto ele me sustenta.

 

Dos males o menor! Será uma sequela do covid? Será que sofro de "presentefobia" ou de "esquecelopatia"? 

 

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 17/09/2022
Reeditado em 19/09/2022
Código do texto: T7608301
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